DEPOIS DO MAR ABERTO, UM DIA APARECE A CORDILHEIRA

 

Quando a Netflix descobriu o streaming encontrou um mercado cujo limite ainda não era possível de se prever. Vários artigos deste blog consideraram essa tese. O empreendimento cresceu muito, precisou criar sua “hollywood particular” para dar conta da demanda. Os grandes estúdios se viram acuados. Mas dessa vez tinham medo do mercado, não da concorrência. Afinal, era o consumo desenfreado de filmes e séries que abria trincheiras para concorrentes por todos os lados.

Parece que esse capítulo está acabando. Pelo menos é o que se depreende da fala de Rodrigo Penalva, gerente sênior de gestão de negócios do Globoplay, durante o seminário “Brasil Streaming 2024”, realizado pelo site TeleViva. Segundo Penalva, "estamos em um momento que talvez seja o limite de grau de dificuldade do mercado.” Ele falou ainda em super concorrência pela audiência, tendo de um lado o fechamento de algumas plataformas e do outro, verdadeiros testes de limite de crescimento. Um dado apontado é que, em 2023, só nos Estados Unidos foram lançadas 481 novas temporadas de séries originais. São mais ou menos 4 lançamentos a cada 3 dias. Agora o mercado estaria se deparando com a necessidade de “desacelerar” e as empresas produtoras de conteúdo estariam focadas em “retenção e fidelização” e maior eficiência por produção. Para ele, estratégias como binge watching (todos os capítulos de uma vez, para maratonar) vão ficar de lado. As plataformas devem ter uma lógica na sequência de estreias dos títulos de sucesso. Isso deve levar os clientes a ter uma noção do que esperar ao longo do tempo.

Embora Penalva não tenha feito essa consideração, isso se parece com o modelo da TV linear, em que uma grade de programação gera um hábito no consumidor. No Brasil, maior praça de TV aberta do mundo – que adotou desde sempre o linear – parece ter havido uma potencialização de dois fatores. A grade da programação abre um espaço na rotina de cada espectador, que tem ainda a facilidade de não pagar pela programação. É o anunciante que sempre fica com a conta. A TV Globo há mais de meio século surfa na crista dessa onda, que parece estar ganhando mais força com os ventos do streaming. Os gigantes do mercado de audiovisual já se dobraram ao anunciante e agora enveredam para a configuração mais semelhante às grades de programação.

Os dados do Globoplay parecem confirmar o sucesso desse modelo. Nas palavras de Penalva, "somos um dos poucos casos de plataformas locais que conseguem competir com os players globais crescendo à base de dois dígitos por ano.” Ele atribui esse crescimento constante ao conteúdo nacional. Porém, a experiência do público brasileiro possivelmente identifique outros fatores de peso. Há uma antiga e persistente presença da “novela da TV” no dia a dia de gerações, mesmo vivendo tempos diferentes. A TV aberta é um cenário que aparece para todo o Brasil, em algum momento do dia. No Globoplay esses momentos somam 3 bilhões de horas de conteúdo, consumidos por 22 milhões de clientes todo mês. As produções “da casa” são 71% desse total.

Lamentavelmente, um dos problemas sérios que esse tipo de negócio enfrenta é a pirataria, ou o furto puro e simples de conteúdo. No caso do Globoplay o novo negócio que ele representa para a empresa como um todo, trouxe a reboque muitas soluções. A empresa se tornou uma mediatech, ou seja, incorporou a engenharia de software à engenharia de televisão. Ela já desenvolve programas para outras atividades internas, como grandes bancos de dados, com muitas informações sobre dezenas de milhões de clientes e fornecedores. Isso é importante para as vendas diretas, reduzindo os riscos de fraudes, por exemplo. Esse conhecimento do mercado atrai negócios nas duas pontas. Os agregadores de pequenos provedores se tornam mais viáveis para distribuir conteúdo da plataforma. E os produtores internacionais se interessam em parcerias, como é o caso de Disney, Telecine e Sony. Outro horizonte de vendas que contorna os riscos da venda direta são as telecoms, como a Claro TV que já vem com Globoplay.

Um novo desafio que está aparecendo para o streaming como um todo vem de uma área onde a Globo também tem forte presença. São os conteúdos esportivos que tendem a ser fragmentados em diferentes plataformas. A questão dos direitos esportivos no streaming “vai se tornar uma realidade no Brasil, e a pulverização pode ser um problema”, prevê Peralta. Para ele o desafio vai estar na forma de convergir a oferta e assim facilitar para o consumidor.

Nesses tempos, quando se fala de demanda pelo audiovisual, sempre é bom lembrar que a TV 3.0 deve trazer muitas mudanças nesse mercado. Não apenas na demanda, mas também na forma de distribuição de todo conteúdo. E, por enquanto, há muitos indicadores de que as emissoras de TV aberta vão ter um papel muito importante. O caminho pode estar na transformação em mediatechs.



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