A GUERRA DAS ESTRELAS QUE FOI PARAR NO CÉU


O que significa a encarada antes de uma luta? Ainda não se anunciou nenhum campeonato de encaradas, mas não foi por falta de audiência. Muita gente gosta de ver essa “outra luta”. No boxe, a encarada sempre aconteceu no dia, hora e local do enfrentamento, lutadores prontos para mostrar a que vieram. Dali ninguém sai “parecendo” bravo, forte ou corajoso. Só sai depois do último gongo, sem deixar qualquer dúvida a respeito das próprias qualidades.


No MMA fizeram do desafio psicológico uma luta a parte. E a utilidade prática desse encontro parece ser puro marketing. Uma forma de chamar atenção, de aproximar o público das estrelas do espetáculo, de alcançar repercussão. O que os lutadores fazem ali é aquilo que, no futebol, chamam de “jogar pra torcida”. Não tem técnica, é só uma graça, sem nenhum propósito esportivo. Lembra bem o que aconteceu há alguns dias entre o multimilionário Ellon Musk e o ministro Alexandre Moraes, do STF.


Da parte de Musk, nenhuma surpresa. Ele gosta de agitação, de desafios. Se a encarada ainda não tivesse sido inventada, ele o faria. Há menos de um ano chegou a falar, meio que brincando, meio a sério, que desafiaria Mark Zuckerberg para uma luta. O desafiado gostou da ideia. Tudo bem, chiliques entre estrelas multimilionárias, sem funções públicas, estão na deles. Difícil é entender por que um ministro do STF e presidente do TSE responde a uma estultice dessas. O ministro tem uma enorme responsabilidade pública, em funções de estado, onde só deve se manifestar quando oficialmente instado, dentro dos ritos processuais. Ficasse em silêncio, nada mais teria acontecido. Afinal, como bem diz o ditado, quando um não quer, dois não se encaram.


A questão é que depois de armado, o circo fez sucesso. Redes sociais e noticiários repercutiram insistentemente o incidente, arriscando justificativas de lado a lado. Muitas fake news estão circulando, prevendo uma luta de titãs e as consequências para o povão. Samuel Possebom, jornalista especializado em telecomunicações, comentou no site Teletime os eventuais riscos que esse embate pode representar. Uma análise sóbria voltada ao esclarecimento. Ele chama atenção para o especial momento pelo qual o tráfego de dados está passando no planeta. E o que isso tem a ver com os patéticos urros de bravura. Destaca também a óbvia diferença – porém, ignorada por muitos – entre Ellon Musk e as empresas dele que têm negócios no Brasil. O microblog X (ex-twitter), empresa mais popular de Musk por aqui, parece não representar um risco estratégico. Foi pelo X que ele acusou Alexandre de Moraes de estar praticando censura. Ameaçou reativar as contas suspensas pelo magistrado.


A coisa muda quando se fala na Starlink, a operadora de banda larga que tem vários e importantes clientes por aqui. Entre eles o Exército, a Marinha e vários TREs, os tribunais eleitorais dos estados. A Starlink é uma enorme constelação de mais de 5 mil satélites de baixa órbita, que provê conexão de internet de qualidade em qualquer lugar do mundo. Um serviço sem concorrência que atende mais de 150 mil clientes no Brasil, a grande maioria, residenciais. Esse segmento era para ser o foco da empresa porém, pela qualidade dessa tecnologia, está passando a ser demandada por empresas e muitos serviços governamentais, inclusive na educação. As consequências estratégicas disso se tornaram um problema para governos de todo o mundo. Não existem concorrentes diante do conjunto de vantagens que os serviços da Starlink oferecem. Por eles passam informações das mais sensíveis e sigilosas. Em questão de meses a constelação deve passar a operar com outra nova tecnologia, baseada em laser, que dará total autonomia ao serviço. Não vai depender de mais nada em solo, nem dos gateways que hoje conectam os satélites com a internet.


Isso é considerado um sério risco geopolítico no mundo todo. Uma questão pela qual o governo brasileiro tem demonstrado mínimo interesse e uma distância imprudente. Bem diferente do que se vê da parte da União Europeia, China, Rússia, Canadá, que estão investindo alto no desenvolvimento de projetos capazes de concorrer com a Starlink. Algumas iniciativas privadas também buscam alcançar as empresas de Musk nessa tecnologia. Não vai ser nada fácil. Somando aos satélites da SpaceX, os negócios espaciais do multimilionário excêntrico acumulam 56% de todos os satélites em operação no mundo.


Do outro lado da moeda está o fato de que empresas poderosas não transferem todos seus poderes aos seus donos. Se Musk usar suas empresas para emparedar um estado soberano, vai causar grande constrangimento entre as nações independentes. O que pode torna-lo alvo de retaliações fatais para seus negócios. Ele deve saber disso muito melhor do que todos nós.

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