PARLAMENTARES E OS GASTOS DAS TELES


Chegou o modelo novo do carro, com data do ano que vem. Do modelo deste ano para o novo, muda quase nada. Pode ser a chance de conseguir um bom desconto. Um “quase” modelo novo, mas é carro zero, tem todas as garantias.

Com todo respeito, o nome disso é xepa. Tudo bem, faz parte da lógica do mercado. A gente conhece da feira, mas funciona sempre que o tempo pressiona um negócio. E se o assunto é hardware de TIC – Tecnologia de Informação e de Comunicações? Será que a xepa funciona? É o grande debate hoje do 5G no Brasil. A proposta de edital apresentada no dia primeiro deste fevereiro caiu como uma bomba entre as operadoras de telefonia móvel.

Para Claro e Vivo a bomba foi do tipo arrasadora. Para a Tim, foi daquelas de festas de reveillon, que espalham estrelinhas pelo céu, comemorando novos tempos. É que as duas primeiras investiram no chamado 4,5G, uma tecnologia intermediária para o chamado 5G DSS (Dynamic Spectrum Sharing, ou Compartilhamento Dinâmico de Espectro). No 5G DSS o “bem bolado” está no uso das redes disponíveis para 3G e 4G, porém melhoradas (outra xepa!). Chega na velocidade dos 400 Mbps (megabits por segundo), 12 vezes o 4G, mas a latência (tempo de resposta ao comando) não é lá essas coisas. Quando a Claro anunciou a expansão do sinal DSS para várias cidades brasileiras, em novembro do ano passado, o diretor de Marketing, Márcio Carvalho, até fez uma ressalva. Em entrevista para o site Convergência Digital afirmou: "-É claro que depois do leilão realizado, de termos novas frequências e novas torres instaladas, teremos mais 5G". Pois os sonho dele foi atendido! No edital “explosivo”, divulgado agora em fevereiro, consta a obrigatoriedade de implantação do 5G – Release 16, e não do 5G DSS que era esperado pela Claro e pela Vivo, nas novas frequências arrematadas no leilão. “Pô, esses caras levam tudo a sério”, alguém deve ter dito.

Aqui entra um detalhe importante da indústria da tecnologia. É um setor que investe bilhões em pesquisa e desenvolvimento. E não vai ser por conta de antigos hábitos de marketing que qualquer esforço vai passar em vão. O caso não é a xepa, mas aquela coisa de inventar uma letrinha a mais no nome para parecer o que não é. Lembra dos motores “ie”? A injeção eletrônica era a última novidade no mercado automobilístico. Algumas montadoras usaram uma injeção muito limitada, que só aguentava comandar um cilindro. Os outros três cilindros eram carburados. O “ie” no nome do carro fez muita gente pensar que levava a última tecnologia e “nem paguei muito mais caro”.

TICs já contam com a 3GPP, uma associação normativa setorial, nos moldes da GSMA, ou da IEEE. Associações desse tipo são grupos técnicos muito especializados que sabem diferenciar, em suas respectivas áreas, o que é alho e o que é bugalho. E dão nomes exclusivos, descrevem todas as especificações, padronizam normas e procedimentos. Em junho de 2020 a 3GPP divulgou o “Release 16”, as normas técnicas que definem o que é o estado da arte da tecnologia 5G nos dias atuais. E no começo deste ano, Ctrl+C, Crtl+V e lá está, no edital da Anatel, o Release 16.

Só mais algumas letrinhas nesta sopa, um tanto indigesta para algumas operadoras... Basicamente, o Release 16 inclui conceitos de URLLC (Ultra Reliable Low Latency, ou “redes ultra confiáveis de baixíssimas latências”), mMTC (massive Machine Type Comunication, conecta simultaneamente muitos dispositivos) e eMBB (enhanced mobile broadband, velocidade das conexões são altas). Para conseguir tudo isso numa rede que provê também o 4G, tecnicamente é um tanto complicado, pode sair até mais caro. Daí a necessidade das redes auto suficientes, ou standalone, explica artigo do site Teletime.

Nada disso é mera perfumaria. O Release-16 é essencial para o IoT no ambiente 5G, também traz especificações para sensores, direção autônoma, direção remota, aplicações industriais móveis. E principalmente, trata da gestão de espectro não licenciado, para ampliar a largura de banda. Aí tem o dedo da Qualcomm, fabricante dos processadores móveis mais avançados. Da forma como está especificado é possível usar apenas espectro não licenciado, sem precisar das faixas outorgadas (essas que as operadoras vão disputar no leilão). Isso deve facilitar o 5G em funções indoor, como na indústria 4.0.

Quando da escolha do padrão de TV digital o Brasil tomou um rumo parecido. E se deu muito bem! Chegou atrasado, mas adotou o sistema japonês ISDB, o melhor naquele momento. Fomos mais adiante e adicionamos a compressão H-264, a mais avançada à época. E agora, é em cima desse sistema que Brasil padronizou recentemente seu próprio sistema de TV conectada, ou TV 2.5.

No próximo dia 24 a Anatel bate o martelo sobre o edital. Até lá Vivo, Claro e um grupo expressivo de parlamentares, vão usar seus tacapes tentando voltar ao DSS. As operadoras têm um interesse objetivo, que é acumular mais dinheiro. Quanto aos parlamentares da comissão 5G, fica a questão: por que querem postergar um 5G com potencial para ser a base de toda uma nova geração tecnológica na indústria, na saúde, nas cidades, na agricultura?

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