O AVATAR DA INSENSATEZ


O retrato mais fiel da privacidade é o banheiro público. No masculino, com certeza. Tem opções como, por exemplo, proteger apenas moderadamente o seu potencial. É quando decide urinar num mictório, aquela meia bacia de louça, fixa na parede, com uma pequena divisória de cada lado. Se todos mantiverem a discrição, nada a declarar. Tem também a opção de trancar a porta, a proteção maior, ainda assim, parcial. Garante-se o privado, que se dá no topo da privada. Mas o público, a quem todos devemos algo, vai lhe cobrar pelo menos a exposição dos pés – e do ato praticado, que se depreende da posição deles.

Muito além desses posicionamentos, a questão da privacidade se reflete em todo o ambiente do banheiro público. Está até no ar. Nas paredes, nas portas, se vê parte do comportamento que ela permite, a quem aceita essas atitudes para si. Uma arte peculiar exibe figuras, detalhes de uma intimidade bizarra. Versos e filosofia populares, falam das fraquezas humanas, de amores, de ideologias, usando o palavrão como idioma. Denunciam, assim, como instrumentalizamos a nossa privacidade; do que nos serve a sagrada intimidade.

Na Internet, um meio social cibernético, acontece a mesma confusão entre o que é privacidade e o que é mero anonimato tóxico. Não tem o mesmo cheiro daqueles banheiros, mas as imagens e as falas, muitas vezes são mais repulsivas. É quando o direito à privacidade no ambiente digital se transforma no rosto mascarado, na rua escura, naquele espaço ermo onde o cidadão é surpreendido com pilhagem, sequestro, agressões e outras formas de violência.

Essas e muitas outras questões que afligem tantas pessoas, internautas ou não, estiveram nas discussões do DISI21 – Dia Internacional de Segurança na Internet, no 11 deste mês. A RNP – Rede Nacional de Pesquisas reuniu especialistas de algumas áreas num evento virtual, para abordar, principalmente, como as crianças são usadas nos crimes cibernéticos. “Segurança Digital Começa Cedo”, foi o tema. Em entrevista ao site Convergência Digital, Edilson Lima, gerente do Centro de Atendimento a Incidentes de Segurança (CAIS) da RNP, lembra que essas faixas etárias estão muito presentes na Internet. Crianças e adolescentes são quase um terço dos internautas ativos. E que o isolamento digital nessas faixas etárias, como medida de segurança, é o principal equívoco. Edilson aponta a educação como solução, com base nas características de cada filho, de cada família. "Não existe uma lista de recomendação pronta para ser massificada ou software para serem instalados...”.

A psicoterapeuta Ivelise Fortim, professora da PUC-SP, citou o fato de que “... as famílias tendem a ver os filhos como vítimas... Muitas vezes seu filho é o agressor, é quem está fazendo ofensa, é quem não se comporta adequadamente.” Para ela, a solução começa por “... compartilhar o mundo delas [as crianças] na Internet.” Explicou que, “às vezes as famílias acham que não sabem nada e que não tem nada a oferecer para educação ... na internet. Tem uma série de regras de educação, valores da família, formas de se comportar que ... valem para a vida. E isso as famílias sabem orientar as crianças”. Ivelise Fortim adverte que “outro cuidado das famílias é com as compras dentro dos jogos... temos histórias de crianças que gastaram R$ 20 mil, R$ 30 mil, R$ 40 mil nos jogos.”

Ainda sobre jogos, Nyvi Estephan afirma que a Internet vive uma onda de impunidade no Brasil e as pessoas estão ficando extremamente agressivas na rede. A apresentadora gamer brasileira é a terceira do mundo em acessos sobre eSports. Ela entende que “... as pessoas acham que podem ofender e ameaçar na Internet que não vão ser punidas e isso está chegando às crianças e aos adolescentes... Perder frustra, irrita, mas é da vida".

A Internet está ajudando cada um a se conhecer melhor. Não se pode esquecer que, o personagem que se esconde entre os circuitos para delinquir, é um traço oculto do seu criador. É ele o criminoso, o agressor, o problema a ser resolvido. Ou suprimido. Ao ocultar uma das suas identidades no ambiente cibernético, o indivíduo não garante a fuga de consequências de uma dupla personalidade. Ou ainda, aquele que se orgulha da agressividade que exibe na rede, vai gerar os mesmos reflexos da violência no mundo real. Inclusive contra ele próprio.

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