BOM DEMAIS PARA SER BRASILEIRO





A gente sabe bem como é. O que aconteceu com o Neymar quando ele se revelou um craque muito acima da média do futebol brasileiro? O mesmo que aconteceu com o Ronaldo “fenômeno” há muitos anos, com o Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Romário, Falcão, Gabriel Jesus. Todos foram comprados por clubes estrangeiros muito ricos. Tornou-se impossível manter no Brasil esses jogadores e muitos outros, nem tão famosos.

Com a Embraer foi a mesma coisa. O empresário James R. Waterhouse, que também é professor de Engenharia Aeronáutica na USP, em São Carlos, entende que a negociação da fabricante brasileira, terceira maior na aviação mundial, está sendo consequência direta da relevância que ela alcançou. Para ele “o sucesso levou à obrigatoriedade da venda”.

A partir de então a comparação não vale mais. Diferentemente do que acontece na venda de grandes craques do esporte, uma empresa como a Embraer vai embora e deixa em risco milhares de empregos, leva muita tecnologia e anos e anos de uma história de excelência. Só aumenta o rendimento ao longo do tempo e não volta nunca mais. Será que é um bom negócio?

Para Waterhouse “não existe a opção de não vender” a Embraer. Essa falta de alternativa seria consequência do acúmulo de erros de governos na condução do setor de tecnologia. Seguindo esse rumo o Brasil deve continuar dependendo de commodities para manter as exportações. Produtos de alto valor agregado devem continuar chegando do Exterior, que também vai exercer uma crescente atração sobre os cérebros mais notáveis daqui.

Com a Embraer o Brasil avançou muito na tecnologia de aeronaves. Tudo que se avista quando um jato está no ar é feito pela Embraer com excelência. O conforto durante os vôos em aviões da empresa é maior do que em qualquer modelo correspondente das concorrentes. Porém, no que diz respeito à aviônica – ou eletrônica das aeronaves, instrumentos – e propulsão, a indústria nacional deixa um grande vazio. Uma assimetria da tecnologia brasileira no setor que colocou a Embraer numa situação de dependência.

Outros equívocos, decorrentes de vícios da política e do setor empresarial brasileiros, também vão entrar para a história desse singelo sonho high tech.


BRASILEIROS X BRASILEIROS

Hoje as negociações são pela venda de 80% do capital da Embraer para a americana Boeing, maior empresa de aviação no mundo. Os 20% restantes continuam Embraer, que estará focada na aviação de defesa e executiva. Parece simples mas, na divisão dos funcionários, para que lado devem seguir os mais capacitados? Quantas das fábricas vão continuar operando no Brasil?

O Prof. James R. Waterhouse afirma que os próximos anos não devem ser tão promissores para a aviação executiva, principal mercado que sobrou para a Embraer. Para defesa, os negócios costumam ser inconstantes. A Embraer vai sair dessa negociação sem o filet mignon, mas com um osso difícil de roer.

O pior é que, além da empresa, que era nacional pelo menos na gestão, o Brasil perde um grande “centro tecnológico” mantido pelo mercado. Até a própria Embraer teria uma razoável parcela de culpa nessa situação, diz o professor.

Os governos anteriores adotaram uma política de hipertrofia da empresa, visando fortalece-la para concorrer no mercado internacional. A Embraer não só gostou, como teria colaborado para sufocar pequenas empresas, aspirantes a concorrentes nacionais. O bolo financeiro do BNDES sobrou todo para a dona da festa. A aviação de pequeno porte teve um crescimento modesto. O mercado que poderia alavancar empresas capazes de desenvolver equipamentos ou componentes para a aviação, aumentou menos do que poderia. Seria um novo nicho tecnológico, importante para a formação de um cluster brasileiro no setor.

O professor cita ainda o papel que a Finep deveria desempenhar no desenvolvimento da indústria aeronáutica. A financiadora oficial de projetos exige garantias reais de empresas nacionais interessadas em desenvolver componentes. O custo é elevado e pequenas empresas, mesmo com alto potencial e expertise, não têm capital para oferecer essas garantias.

A aviação brasileira de pequeno porte sofre muitas outras dificuldades estruturais. Dentre elas, Waterhouse cita a pequena malha, que conta com menos de150 pontos no Brasil. É muito pouco na opinião dele, considerando a extensão do território e as dificuldades de acesso por outras vias. Seriam necessários mais de 500 pontos no país. Do jeito que está, o transporte aéreo se encaixa num modelo hub a hub, ligando pontos centrais de regiões muito grandes, que englobam várias comunidades isoladas. Com isso, o trecho entre o aeródromo e o destino final – ou last mile – muitas vezes é mais demorado do que o percurso aéreo. Isso compromete muito o desenvolvimento dessas comunidades e torna o transporte aéreo pouco efetivo.


POR ONDE (RE)COMEÇAR


Para o Prof. Waterhouse as políticas de longo prazo devem prever fundos que garantam investimentos no mercado e na indústria aeronáutica. O momento seria de apoio para a diversificação dessa indústria.

Com uma malha mais capilarizada os pequenos aviões de carga ganhariam importância muito maior na matriz de transporte. Esse nicho da aviação é pouco explorado no mundo, até pelo fato de que a extensão territorial do Brasil só é menor do que a de outras 4 nações. Com pouca concorrência, o mercado desse segmento seria vasto para a indústria nacional e atraente para empresas brasileiras interessadas em produzir outras tecnologias para aviação, como aviônica e propulsão. A aviação de pequeno porte seria a oportunidade para o crescimento de uma indústria de base para o setor.

A propósito, esse é um fator estratégico para novas tecnologias, que o Brasil não sabe usar, segundo o professor: o grande mercado interno. Em parte, os Estados Unidos teriam se valido dessa condição para emparedar a Embraer na negociação. Eles são o maior mercado de aviação do mundo, sem o qual ficaria muito difícil para a empresa brasileira continuar crescendo. Contam a favor ainda as condições de financiamento que empresas americanas conseguem para vender suas aeronaves em qualquer lugar do mundo.

Waterhouse comenta que a política de transferência ajudou a China a se transformar numa potência tecnológica. O país se propõe a fabricar e comercializar tudo internamente, desde que haja alguma transferência de tecnologia. No Brasil não há a necessária pressão nesse sentido.

Atualmente o mercado de turbinas de aviação no mundo, segundo o professor, estaria sob o domínio de poucas empresas como as americanas G&E e Pratt & Whitney, a francesa Snecma e a inglesa Rolls-Royce, além de joint ventures entre elas mesmas. Porém, Rússia e China estabeleceram políticas de estado e parceria entre elas para se tornarem independentes dessa polarização. Com o crescimento do mercado de aviação no mundo todo o Brasil precisaria também de uma política de estado para concorrer, visando inclusive parcerias.

Importante entender, a partir do caso concreto da Embraer, que não haverá perspectivas para nenhum segmento tecnológico na indústria nacional enquanto o governo, nos diversos níveis, não tiver uma ampla política nesse sentido.

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