OS VÁRIOS VALORES E A FORÇA DO SIFRÃO




Você tomou champanhe nesse réveillon? Perdão pela indiscrição, mas é bem provável que não. Seus pais, ou mesmo você – se faz algumas décadas que deixou de ser criança – devem ter falado muito sobre “estourar champanhe” no fim de ano. Até que os verdadeiros produtores de champanhe foram à Justiça para exigir que a denominação fosse respeitada.

Nem precisa ser enólogo, basta ter alguma proximidade com vinhos para saber que o nome champanhe denomina tipos específicos de vinhos espumantes, produzidos sob determinadas técnicas, na região de Champagne-Ardenne, Nordeste da França. Se não for assim, mesmo que tenha as principais características do champanhe original, é só espumante. É esse que a gente estoura na “festa da firma” e na maioria dos réveillons, porque o champanhe original, de qualquer marca, é muito caro.

Imagine que agora a gigante centenária AT&T está brindando 5G com seus clientes e servindo 4G LTE-Advanced Pro, fazendo uma coisa passar pela outra. É isso mesmo! A empresa desenvolveu o 5G E, ou 5G Evolution. Só que foi o departamento de marketing que desenvolveu, é a marca de um serviço idêntico ao que é chamado de 4,5G aqui no Brasil. Os engenheiros da AT&T, ao que tudo indica, não autorizariam o golpe promocional, pelo mico que devem pagar diante dos colegas de profissão.

A estratégia publicitária do 5G E “criou um caso” na semana passada, durante a CES – Consumer Electronics Show, a maior feira de eletrônicos do mundo, que acontece anualmente em Las Vegas. John Donovan, CEO da AT&T, reagiu em tom provocador às perguntas, com frases irônicas do tipo "ocupar a cabeça dos meus competidores me faz sorrir".

Até onde vai esse bom humor, ninguém arrisca. Donovan afirma que multiplicou por 8 a velocidade do 4G utilizando a infraestrutura LTE-Advanced Pro, tecnicamente indicada para a futura implantação do 5G. Do verdadeiro! Mesmo assim a diferença entre uma coisa e outra é muito grande, como reconhece o próprio Donovan ao falar do 5G: "Não é só mais rápida e eficiente, é uma rede em tempo real. É a tecnologia do 'sim, você pode fazer isso'", exemplificou o executivo, ao citar os clientes, que sempre questionam até onde o 5G pode chegar.


“ENGANANDO OS CONSUMIDORES” E CHACOTAS


Em alguns modelos com sistema operacional Android, a atualização da AT&T faz aparecer “5G-E” na barra de status do smartphone. Para o CTO da concorrente T-Mobile, Neville Ray, a AT&T está “enganando os consumidores”. No perfil da T-Mobile no Twitter, uma piadinha em vídeo foi contundente. Mostra um pedaço de fita crepe colado sobre a barra de status de um iPhone, onde se lê (escrito à caneta esferográfica) a inscrição “9G”. Abaixo vem o comentário: "Não tinha percebido que era tão fácil, vou atualizar e já volto”. Entendeu a situação dos engenheiros da AT&T diante dos colegas de turma que trabalham nas concorrentes?

A Verizon, outra concorrente entre as operadoras americanas de telefonia, abordou a questão de maneira mais séria. Como uma professora que passa um pito na classe. O CTO Kyle Malady publicou um comunicado sob o título “Quando falamos de 5G, queremos dizer 5G”. Em um dos trechos do comunicado, publicado no site Teletime, Malady afirma que a Verizon quer levar os consumidores a um “entendimento claro, consistente e simples do que é a 5G ... sem ter que manobrar por falas de duplo sentido de marketing ou especificações técnicas."

O risco que o executivo da Verizon destaca é o comercial. Ele acha que o potencial de mercado da tecnologia 5G pode ser comprometido caso alguém, que faça parte do “ecossistema móvel”, de fabricantes a provedores, confunda os consumidores. Por isso ele adverte para que ninguém adote um “comportamento pensado para propositalmente confundir consumidores, servidores públicos e comunidade de investimento sobre o que a 5G realmente é". E acrescenta: “Não vamos chamar nossa rede 4G de rede 5G se consumidores não experimentarem a melhoria de desempenho ou capacidade que apenas a 5G pode entregar".

Para Donovan, da AT&T, tudo isso não passa de inveja. As concorrentes estariam apenas esperneando por terem ficado para trás. Ele simplesmente antecipou o uso da infraestrutura implantada para o 5G – a rede LTE-Advanced Pro – para melhorar a experiência dos clientes desde já. De fato, há algum mérito em aumentar a velocidade de conexão em até 8 vezes. Mas isso se torna muito pouco, se comparado com o que o 5G promete. Melhor fez a operadora brasileira que deu o nome de 4,5G ao produto desenvolvido a partir da mesma estratégia.


BRASILEIRO NÃO FAZ UMA COISA DESSAS 


É surpreendente que um incidente desses aconteça no país que revolucionou o marketing e a grande maioria das tecnologias comerciais de hoje. E que a principal envolvida seja uma empresa nativa, a mais tradicional do segmento.

O Brasil, gigante adormecido, país do futuro, costuma aparecer nesses entreveros. Porque estamos entre as nações de território mais rico, um dos maiores e nossa população também está entre as maiores do mundo. Mas ainda somos uma democracia adolescente, muitas vezes nossa voz desafina, as espinhas na cara são maltratadas, ficam em evidência. Só que desta vez aparecemos com os cabelos penteados e roupa passada. Bonito na cena!

É estranho como determinadas práticas, típicas do atraso, estão voltando a aparecer com mais frequência e em mercados de ponta. Parece que a concorrência mais acirrada, a “pena capital” aplicada aos considerados derrotados e o faturamento como principal forma de medir sucesso, estão conduzindo a um clima de vale tudo.

No proscênio do futuro, nesse instante se acotovelam os carros autônomos, drones, o crescimento do vídeo 4K, aplicações em realidade virtual e aumentada, jogos móveis, dentre outros. A AT&T estima que esses citados vão consumir 75% do tráfego móvel dentro de 3 anos. Na prática, todos eles dependem do 5G. Considere-se que as operadoras de telefonia estavam entre os melhores negócios do mundo  há 10 anos e hoje atravessam a fase mais difícil da história para elas. It’s now or never. Isso ajuda, em parte, a entender o atual cenário.

Deve-se levar em conta também a onipresença da China nos diversos mercados. Ela dá de ombros para os “valores burgueses”, como lealdade na concorrência.

Por fim, alguns valores que já foram caros ao mercado, estão se esfacelando do dia para a noite. Por exemplo, as grandes marcas. Apple, Google e Tesla se preparam para enfrentarem Ford, General Motors, Toyota, Mercedez e outras tradicionais no mercado de carros. Laboratórios que desenvolvem química fina há séculos, em vários segmentos, se fundem e confundem com novas marcas. Até a IBM, que já foi o símbolo maior da informática, hoje é desconhecida da maioria dos internautas iniciantes. Por que, então, investir tanto na imagem “moral” da marca? Talvez seja essa pergunta que está a espera da principal resposta.

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