O QUE É QUE VOCÊ SABE?




Sócrates, o sábio, se reaparecesse hoje na Terra teria, logo de cara, um emprego de destaque. Provavelmente seria Gerente de Recursos Humanos. E do Google!

Poderia gerenciar a área também na Apple, ou na Ernst & Young, Bank of America, IBM e outras tantas grandes corporações empresariais, que não exigem mais diploma de nível universitário. É o que aponta recente levantamento do Glassdoor, um site de empregos americano. As grandes empresas, cada vez mais, valorizam o conhecimento, ao invés das credenciais mais tradicionais dele. Tudo isso tem muito a ver com Sócrates.

Primeiro porque Platão, seu discípulo mais notável, nos diálogos de “A República” deixa claro o quanto era caro ao seu mestre o verdadeiro significado de conhecimento. Depois porque, sem ter em mãos a tradicional coleção de certificados e diplomas, os gerentes de RH têm de ser mais inteligentes para conseguir encontrar os melhores. E por fim, Sócrates não deixou nada escrito, pelo menos que tivesse chegado às mãos de alguém próximo dos nossos tempos. Há quem desconfie que ele era analfabeto. No mínimo, não tinha aquela mania de relatórios longos, fazia o estilo mais informal.

Essa visão menos acadêmica do conhecimento está pondo em cheque os modelos mais tradicionais de ensino. Eles demonstraram eficiência em treinar pessoas para enfrentar tarefas muito específicas: entrar em uma faculdade concorrida, de renome, passar num concurso público para um cargo de destaque, ou até mesmo para formar alunos em universidades rigorosas. A questão é que, na vida real, muitas dessas pessoas não demonstram verdadeira aptidão para fazer frente aos principais desafios da função.

Lazlo Bock, um entre os VPs do Google, lançou um olhar lógico sobre a questão: “Quando você olha para as pessoas que não vão para a escola e conseguem seguir o seu caminho no mundo, eles são seres humanos excepcionais. E deveríamos fazer todo o possível para encontrar essas pessoas.”


INTELIGÊNCIA PODE SER INÚTIL?


A dúvida de Sócrates parece estar longe de uma resposta qualificada. Quase 2.500 anos depois de ele ter dado um nó na cabeça de Teeteto, ao perguntar “o que é o conhecimento”, ainda não sabemos dizer exatamente nem o que é a inteligência. Até uma afirmação aparentemente fantasiosa do sábio quase se revelou uma premonição genial. Só que não.

Sócrates acreditava que cada homem tinha dentro de si todo o conhecimento do mundo, mas faltava aprender como acessa-lo. Em 1887, portanto, mais de dois mil anos depois, o psiquiatra inglês John Langdom Down relatou cientificamente um fenômeno que ficou conhecido como savantismo. Um paciente dele era capaz de lembrar qualquer parte do extenso texto “Declínio e Queda do Império Romano”, que se apresenta em seis volumes. Outros casos de pacientes semelhantes passaram a ser notificados a partir de então. Não era a genialidade oculta dos humanos, prevista por Sócrates. Na grande maioria são autistas ou vítimas de lesões neurológicas, normal não tem nenhum.

São pessoas incapazes de tomar um ônibus sozinhas, abotoar as próprias roupas ou sequer conversar sobre qualquer assunto. Mas conseguem fazer cálculos muito complicados de cabeça, antes que alguém consiga dedilhar metade dos algarismos numa calculadora. O resultado prático dessa capacidade dos savants é nulo, uma vez que eles não conseguem usar para nada todas essas habilidades intelectuais e de memória. Talvez por isso esse curioso perfil de retardamento mental também tenha sido denominado “síndrome do idiota prodígio” ou “idiota savant”. O termo savant, em francês, significa “sábio”.

E então, o que adianta decorar um livro de 300 páginas em 40 minutos – como era o caso de Kim Peek, outro savant bem conhecido pela Medicina – se não haverá qualquer utilidade prática para isso? Seria esse o conhecimento que Sócrates tanto buscou conceituar?

Voltando ao gerente de RH... Fica difícil se virar para decidir uma contratação, depois de conhecer um savantista numa entrevista de empregos. Alguém que consegue aprender um novo idioma sozinho, em poucas semanas, usando apenas dicionários e alguns outros livros, certamente seria muito útil a uma empresa. Mas até hoje essa hipótese não se confirmou em nenhum caso concreto.

A inteligência artificial é uma prova de que já foram identificados caminhos para obter soluções autônomas a partir de dados. Robôs já conseguem tomar conta de parte dos SACs de lojas de departamentos. No entanto, nada disso passa perto das decisões capazes de levar uma empresa ao sucesso. Muito menos de produzir a autêntica inovação. 


TEM AULA DEPOIS DO EXPEDIENTE


Isso não quer dizer que podemos esquecer MBAs, faculdades ou pós-graduações. Aponta simplesmente para a necessidade de os especialistas do setor pesquisarem e repensarem por completo os atuais sistemas de ensino. Começando pelo que se conhece por “educação básica”, que atualmente não tem nada a ver com educação e não serve de base para quase nada.

No que diz respeito às decisões pessoais quando o assunto é qualificação profissional, possivelmente a análise exija um raciocínio bem contextualizado. No Brasil, em algumas áreas da Agricultura, como citricultura ou setor sucroalcooleiro, estamos em condições de produzir tecnologia de alto nível, com soluções inovadoras. Na grande maioria dos outros setores a tecnologia tende a chegar pronta. O que nos resta é fazer as adaptações e, para isso, especializações rápidas, de perfil mais prático, devem ajudar. Pós-graduação aprofundada, stricto sensu, só se for na área de Administração.

O Ginga, um middleware totalmente desenvolvido aqui, para sistemas de TV digital, é um caso emblemático. O software passou a ser reconhecido mundialmente pelas instituições de maior prestígio como o ITU. No entanto, a indústria de televisores decidiu investir em outras alternativas. Preferiu soluções que faziam parte de modelos de negócios globais, como as aplicações de OTT, mais importantes para as metas de longo prazo das fabricantes. E o Ginga passou a ser mais um troféu da nossa Academia, sem que tivesse alavancado nenhum grande negócio.

Por fim, para decidir como se preparar para o futuro próximo, considere também o seu perfil pessoal. Como você se sentiria trabalhando numa repartição pública ou num banco estatal? Se isso lhe soa bem, tenha certeza de que diplomas e certificados vão ajudar muito. Há aumento de salario e funções superiores garantidas em lei para quem tem mais diplomas. Pode observar que, entre seus amigos de juventude mais capacitados, muitos estão em empregos públicos. Vivem a tranquilidade da estabilidade, num país como o Brasil.

“Em tempos de inovação a única certeza é de que, em 10 anos, você vai fazer quase tudo de um modo diferente, mesmo que esteja no mesmo emprego e na mesma função.” É o caso dessa frase, que você já ouviu antes. Há 10 anos era instigante, surpreendente e hoje é a típica “frase feita”, mero lugar comum. Enquanto a gente procura por aqui uma maneira diferente de exemplificar inovação, você vai aprendendo por aí algo inovador para apresentar como alternativa para o seu chefe.

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