O TEMPO QUE VOLTA DIFERENTE
Tem um tipo de gente que desliga o cérebro quando ouve falar
em milhões de anos. Realmente, é uma chatice. Milhões fica bem em dólares, em
moeda corrente. Se tiver mesmo que falar em milhões de anos, que seja sobre petróleo,
para poder medir também em dólares.
Nas aulas de geografia as crianças - que só aceitavam ser
chamadas de adolescentes - dormiam quando se falava daqueles longínquos
reveillons que chegavam entre lavas ou dinossauros. Só Steven Spielberg
conseguiu superar o tédio daquelas aulas, mas isso foi durante os tempos do
Jurassic Park. De lá para cá aqueles adolescentes já estão cobrando dos
próprios filhos mais atenção nas aulas de geografia, se desesperam com os
primeiros fios brancos na cabeça ou com os poucos cabelos que estão sobrando:
"-Como era bom ser chamado de criança".
É, evolução de verdade, aquela novidade que nasce na
contramão do envelhecimento, demora muito! Na natureza é assim. O homem demorou
70 milhões de anos para deixar de ser macaco. Agora já faz 50 mil anos que
somos humanos e só construímos poucas eras na nossa história, da Antiguidade ao Contemporâneo. Os pequenos passos, cada um deles, é mais uma inovação. De inovação
em inovação, devagarinho, fomos da roda ao laboratório circular de aceleração
de partículas. A inovação é o fato mais comum de ser visto durante a nossa
vida, como foi do celular "tijolão" ao smartphone. É o remake, a
reinvenção, a reengenharia, a república. República!? Sim, a república. Não a
ateniense e nem a do Marechal Deodoro. Mas aquela casa velha, que tem também em
muitas ruas Marechal Deodoro, onde os estudantes se cotizam para morar durante
o tempo de universidade. É onde surgem pequenas inovações pessoais que vão
marcar mais uma etapa da nossa evolução enquanto gente.
República já foi mais comum, mas quase sempre é
inesquecível. Havia as femininas, eram poucas. Na grande maioria dos casos era
aquele grupo de rapazes, recém saídos da postectomia, querendo provar a si
mesmos e a todos que já são homens. Era como se cada um passasse a ter muitos
irmãozinhos da mesma faixa etária. Não porque todos se dão tão bem, mas porque
irmãos, na mesma faixa etária, dificilmente se dão muito bem. É ali, na república,
onde aparecem as diferenças e as mães não podem arbitrar nada. Tem que
aprender a se entender. Lá estão o mais folgado, o dorminhoco, o quietinho,
...... mas sempre, um grupo de pessoas em busca de aprender mais e mais, sobre
a vida e sobre o mundo. Pode faltar TV, forno de microondas, pode faltar
dinheiro pra tomar cerveja ou nem ter para a "espremida" (cachaça com
limão, sem açúcar e sem gelo). Mas aprender é preciso, é para isso que eles
estão lá. Na simplicidade daquele espaço interagem mentes focadas num objetivo
e permanentemente estimuladas por novas informações e conhecimentos.
É mais ou menos esse ambiente que a universidade de Utah,
nos Estados Unidos, quer fazer acontecer nesse prédio bonito, que a computação
gráfica jogou em cima de uma foto do campus. Trata-se da maquete eletrônica do
que pode ser entendido como a inovação da república. O projeto é de Mehrdad
Yazdani. Ele chama de "um ambiente modelado para a inovação". Diz
assim, com toda pompa, para se render, já no andar de baixo, ao jeito
descontraído das repúblicas. O térreo ele chama de "garagem" e tem
uma oficina 24 horas, com impressoras 3D e muitas outras ferramentas para
construir protótipos, ou até mesmo brinquedos. Se preferir, terá muitos outros
por lá: mesas de pebolim, de sinuca, videogames, e também tabuleiros de xadrez,
tudo que possa amenizar a ansiedade de mentes em histeria. A ideia é que, se
alguém tiver um lampejo criativo durante a noite, não precise pagar as horas de
sono que a mamãe cobra. Pode levantar e "criar de pijama", como diz
Yazdani.
Antes que alguém se engane com essa aura de pureza que
reveste tudo que é novo, diga-se que os US$ 45 milhões que a universidade vai
investir nesse projeto não são de inspiração meramente didática e educacional.
Eles estão de olho no ambiente de sucesso que Google, Apple e Facebook criaram
em suas plantas, para não chamar de "escritório da firma".
Profissionais em serviço podem jogar basquete, fazer embaixadas ou se esticar
numa rede para uma soneca. Assim eles vão ficar mais criativos, vão inovar mais
e melhor. Em outras palavras, é assim que as empresas onde trabalham vão
faturar muito mais.
O projeto está associado à Lassonde Studios, uma divisão da
Escola de Negócios Eccles e quer levar aos 400 futuros moradores um ritmo de startups.
Possivelmente, entre eles estarão estudantes de graduação e de pós-graduação,
contando com um certo "contágio" pelo empreendedorismo, a partir dos
que tem essa característica mais amadurecida. Até os quartos devem ser
compartilhados, terão salas para reuniões rápidas e pouca privacidade. O
projeto original era tão comunitário, tão "república", que os estudantes consultados pediram para incluir
quartos individuais, menores, para os quietinhos da turma. O ritmo de trabalho
disfarçado de folia deve ser tão intenso, que já estão previstos apartamentos
especiais para hospedagem de empresários que queiram bisbilhotar aquela vida
estudantil tão fértil.
Nas repúblicas tradicionais a regra era separar ao máximo a
conversa dos estudos. Mesmo assim, divagar entre os novos conhecimentos não era
um acidente tão raro. A criatividade era mais estimulada por traquinagens de
todo tipo, como fórmulas para espiar o banho da vizinha. Na república hi-tech
americana isso não deve acontecer, até porque as meninas vão estar integradas
ao ambiente e participando ativamente da folia empreendedora.
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