COMPRAR SONHOS E RECEBER DÍVIDAS


O que a Oi e a Odebrecht têm em comum? Dizer que as duas foram requerentes nos dois maiores processos de recuperação judicial da história do Brasil, responde pouco a respeito. Mais do que isso, foram protagonistas de um espetáculo maior, triunfal, que nos elevou à sensação de cidadãos de país desenvolvido. O país desenvolvido não foi entregue, mas a conta está aí pra gente rachar.

A recuperação da Odebrecht, aprovada há pouco mais de um mês, compreende dívidas de mais de R$ 98 bilhões. Tirou o título de “maior da história” que a Oi ostentava desde 2017, com R$ 68,5 bilhões em dívidas. À época, era mais de 3 vezes a dívida da segunda colocada. E a gente fica se perguntando se ninguém viu nada, durante esses anos todos em que essa dívida se acumulava...

Nesta semana foi aprovado um “aditamento” para o plano de recuperação da Oi. Basicamente, aprovou o fatiamento da empresa em 5 UPIs – Unidades Produtivas Isoladas, sendo que uma delas, denominada “ativos móveis”, corresponde à operação de telefonia celular. É a parte mais cobiçada, e tem uma proposta de compra por parte de um consórcio, formado pelas outras três irmãzinhas, Tim, Vivo e Claro.

Compreender os detalhes de um plano de recuperação judicial (PRJ) é outro desafio histórico. Muita legislação, decisões judiciais e principalmente, milhares de interesses. Só vai ser possível entender daqui a vários anos, depois de observar tudo que aconteceu e o que acontecerá. No presente, o que sobra é tentar enxergar onde o episódio da recuperação se encaixa, nessa trama que deu com os burros n’água.

Os mestres do Direito brasileiro ensinam que a recuperação judicial – que é a versão melhorada do que já foi chamado de concordata – existe para “... permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” Ha, hã. O que, na prática, só aconteceu em 25% dos casos. Pode-se concluir que foi feito pra não dar certo.

A Oi, enquanto concessionária de um serviço público, por lei deveria estar sob constante vigilância, para evitar um eventual colapso num setor estratégico. Os R$ 20 bilhões em multas aplicadas pela Anatel, por má prestação de serviços, não bastaram como sinal de que as coisas não iam bem. O governo tinha a alternativa legal de intervir na companhia. Seria traumático. Mas antes da intervenção, poderiam ser testados outros remédios. Em última análise, se está na lei, a intervenção, uma vez necessária e aplicada, deveria funcionar. Os maus serviços, os buracos no caixa e outros sinais de tolerância com a má gestão, encontraram causa também na Lava Jato, a caixa de pandora da corrupção. Estar na mesma pilha de processos da Odebrecht, significa que não se trata de mera coincidência.

Durante a assembleia de credores realizada nesta semana, um diretor da Caixa Econômica Federal protestava pelo deságio de 60% contra os créditos do banco público perante a Oi: “-Não tem justificativa técnica, econômico-financeira.” O site Teletime, que fez uma das maiores coberturas durante a assembleia, também citou casos de imóveis cuja venda direta foi autorizada judicialmente. O argumento para dispensar o leilão, acolhido por uma juíza, é de que o valor ofertado está muito acima de todas as avaliações técnicas. Estariam os compradores interessados em fazer caridade?

Há outros sinais de vícios ao longo do processo. O que inclui a concentração dos serviços nas mãos de apenas 3 empresas, caso a compra dos ativos móveis seja fechada pelo consórcio Tim, Vivo, Claro. O Ministro Fábio Faria, das Comunicações, afirma que existe interesse de compra também por parte da americana Highline e outros ”players estrangeiros”, embora ninguém mais tenha manifestado conhecimento disso.

As grandes das telecomunicações no Brasil, há tempo contam com uma surpreendente boa vontade por parte dos órgãos oficiais. O que causa estranhamento, uma vez que são campeãs de reclamações em todos os Procons do país. Muitas das benesses concedidas pelos governos são justificadas como contrapartidas a “investimentos em localidades de pouco interesse econômico”. A pergunta é por que o governo ainda investe o próprio dinheiro em telecomunicações, se o serviço foi privatizado há mais de 20 anos?

Esses desatinos evidenciam que corrupção é, sim, caso de polícia, de Poder Judiciário. Mas é também caso de má gestão. Cidadãos bem-intencionados, em altos cargos do Poder Executivo, vão tropeçar no primeiro drible, caso não sejam também gestores experientes. É o que a gestão de empresas privadas mais procura para evitar desvios e mau uso do dinheiro dos investidores.

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