QUE TEMPO SERÁ O FUTURO DO PRESENTE





Todo mundo é capaz de relaxar e meditar. É o que promete a Muse S, uma espécie de bandana, cheia de sensores que, fixada na cabeça, lê ondas mentais e responde com sinais eletromagnéticos, fazendo relaxar. É uma das novidades apresentadas na CES – Consumer Electronics Show, na semana passada. Outra novidade, o Motion Pillow, possivelmente não iria lhe custar nada! O travesseiro, também equipado com IA, se deforma automaticamente ao sinal de ronco, até encontrar uma posição mais confortável para você respirar. Imagine se sua esposa não te daria um desses de presente.

A CES começa todo ano com algumas “iscas” para ver onde o consumidor vai morder. Pelo menos é o que parece. A grande maioria do que ela traz enche os olhos, vira conversa, mas não vai pra casa. O Mateo, por exemplo, é um tapete de banheiro que reage ao contato mostrando o peso, dados vitais e até aponta eventuais sinais de alerta para procurar um médico. Agora, pense bem, quem gosta de saber o próprio peso todos os dias? Braços mecânicos na cozinha, para fazer receitas automaticamente, chuveiro sob comando de voz, também cortinas, um show de inutilidades curiosíssimas. Até a TV enrolável tentou, mais uma vez, enrolar o público sedento por esquisitices.

É verdade que uma parte desses engenhos pode revelar utilidade no futuro, num novo estilo de vida. No entanto, a eletrônica digital tem avançado comercialmente mais na área de entretenimento. O smartphone é muito mais um brinquedo do que um telefone móvel. Os jogos disputam o primeiro lugar nas telas de TV com as superproduções do cinema. No mais, por enquanto, parece que o povão prefere o conservadorismo doméstico.

Alguns espaços começam a se abrir para tarefas cotidianas mais cansativas. Por exemplo, os aspiradores de pó automáticos, que não precisam de nenhum operador. Na CES apareceu um separador de lixo reciclável, um dos temas sensíveis que deve entrar na pauta de todas as grandes cidades do mundo. É mais provável que aparelhos com essas funções mais pesadas estejam em breve nas casas, onde chuveiros e cortinas vão continuar sendo abertos com as mãos. Ou até funções não tão pesadas, mas chatas, como escovar os dentes. Um aparelho, na forma da arcada dentária, passou pela CES prometendo a sua higiene bucal em 10 segundos. Concorria com ele um aparelho com outro compromisso: identificar as placas bacterianas e indicar os dentes onde precisa escovar mais.

Essas questões de mercado parecem ter uma referência divertida na infância. Desenhos animados como Os Jetsons, apresentando uma família que vivia num futuro parecido com sonhos daquele presente (já passado há bastante tempo). Ou como os Flintstones que, ao contrário, viviam na idade da pedra. Nos dois casos, as famílias tinham os mesmos hábitos e perrengues do presente. O trânsito, o chefe chato, compromissos sociais com os amigos, dramas da adolescência dos filhos. O que mudava era a “tecnologia” prosaica de cada época, por exemplo, o pássaro bicudo dos Flintstones que funcionava como agulha do toca-discos – discos de pedra. Ou a robô que trabalhava como empregada doméstica dos Jetsons.

Como verdadeiras paródias da curiosidade humana, essas séries traziam certa “sinceridade” em relação à expectativa das pessoas em relação à tecnologia de consumo: ela tem que resolver nossas simples questões do dia a dia. As mudanças no modo de vida demoram um pouco mais para acontecer, como a imersão que se vê hoje nas redes sociais. Ou a relativa importância que o automóvel está adquirindo num mundo com aplicativos de transporte. Abrir a cortina, por enquanto, não parece demandar alguma solução especial.

Se antes a inovação demorava anos para aparecer, hoje é o excesso delas que confunde o consumidor. O que pode ser avaliado de imediato para optar por qualquer novidade é o custo benefício no curto prazo. Afinal ninguém sabe se aquela novidade vai vingar, nem por quanto tempo vai existir assistência técnica ou sequer um endereço para o cliente questionar alguma falha.

Uma das facilidades tem sido o esforço de padronização, baseado no fato de que o digital se transformou numa grande plataforma, em cima da qual tudo pode ser edificado. Celulares digitais, televisores, rádios, eletrodomésticos, automóveis, tudo equipado com componentes de altíssimo valor agregado, cujos preços vão caindo em função da escala de produção. Do lado do consumidor, certos padrões, mediados por entidades técnicas internacionais, facilitam o acesso a essas tecnologias.

A propósito, com o surgimento de um outro grande fornecedor de produtos digitais, no caso a China, a guerra comercial começa a esbarrar em sérias dificuldades para os consumidores. Na luta pelo mercado do 5G os Estados Unidos estão resistindo a apoiar essa padronização. Tomara que cheguem logo a um acordo. Ou então teremos que contar com um robô similar ao dos Jetsons para dominar as tecnologias do futuro.

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