UBERIZAR: VERBO TRANSITIVO




Palavra que nenhum dicionário conhece, mas qualquer um reconhece. Esses fatos digitais acontecem tão isolados de todas as suposições, que exigem palavras próprias para explica-los. O Uber é muito “praticado” pelas ruas, fez surgir um verbo só para ele. Ou melhor, para as tantas soluções de entregas físicas, de coisas ou pessoas, que antes transitavam mais burocraticamente.

Muito bom no começo, nem tanto agora, pode ser um desastre no futuro, segundo alguns intelectuais pessimistas. O fenômeno da uberização de tantos serviços poderia destruir os empregos formais, gerar uma legião de escravos digitais e ainda, restringir o atendimento de áreas de menor interesse econômico.

No fim a uberização nem seria tão “transitiva” assim. Faria da mobilidade um privilégio... de muitos, mas não um serviço que é direito de todos (que o genial Mário de Andrade perdoe o plágio, mas o esforço se presta a uma explicação mais clara).

Enquanto o desastre não chega convém observar essa fase “nem tanto”, para ambos os lados. Ainda longe de ser um problema, a uberização já não é mais a maravilha de outrora. E os motivos não estão na tecnologia inovadora, disruptiva, mas nas mesmas chagas históricas do comportamento humano. Particularmente a usura, pecado sem qualquer originalidade, que tanto mancha a história da humanidade.

O Uber avançou implacável contra uma reserva de mercado silenciosamente bilionária, mantida no mundo todo. Os ganhos desproporcionais dos “humildes” taxistas passaram a ser distribuídos entre muitos e muitos motoristas autônomos e entre os consumidores. A multinacional do aplicativo cobrou sua parte sem nenhum comedimento e, mesmo assim, sobrou trabalho digno para garantir a sobrevivência da maior parte dos taxistas tradicionais. Afinal, eles ainda estão por aí.

A redistribuição parecia muito equilibrada. Sim, parecia, até que se percebeu o quanto pende para o lado do Uber. Espaço para concorrentes, como a 99 aqui no Brasil, que decidiu deixar mais para os motoristas e apenas um pouquinho mais para os consumidores. O resultado já aparece nas estatísticas do último ano. De 66%, subiu para 75% a porcentagem de brasileiros que já chamou um serviço de transporte, tipo táxi, por aplicativo. Desse total, 73% preferem o Uber, o que pode parecer muito bom para a empresa. Só que há um ano o percentual era de 83%. E se você for procurar esses 10% que saíram do Uber, vai encontrar quase todos no 99. O aplicativo da chinesa DiDi subiu de 13% para 22% do total de corridas por aplicativo no Brasil.

A Uber, que teoricamente deveria saber tudo de aplicativos, está perdendo clientes até para seus próprios bugs. Pelo menos aqui no Brasil. Quem já é cadastrado e compra um celular novo, não consegue baixar o app nele. Os robôs que conversam com os usuários, na hora da identificação, dizem que aquele cadastro já pertence a uma pessoa. O serviço fica inacessível para o celular novo. O que era para ser uma inteligência artificial, não passa de um limitado diálogo superficial. Para um serviço que não tem um único atendente humano no país, essa política de contingência só pode trazer prejuízos. Sem esquecer que a cada 5 anos, a quantidade de celulares renovados é imensa.

Na medida em que a população se afasta dos taxistas, caríssimos e relaxados, vai ficando mais exigente, e os aplicativos parecem não se darem conta disso. O que era maravilhoso, agora, nem tanto.

Na outra ponta, o tal desastre que alguns anunciam, também, nem tanto. Temem que a uberização de vans leve as empresas de ônibus à falência e deixe os bairros mais distantes desassistidos. Denunciam o flagelo de trabalhadores sem descanso, sem direitos trabalhistas e mal remunerados. O problema existe, sim, mas não tem nada a ver com aplicativos. Parece mais a decorrência natural, em uma sociedade que está fazendo do emprego, um fenômeno histórico do passado. Por sinal, um fenômeno que não está durando muito mais do que um século.

Os aplicativos, menos do que uma boia, representam uma corda atirada ao mar. Se parece pouco, é porque não está sendo vista pelos olhos do náufrago. Já é hora de aperfeiçoar, de partir para versões 2.0 dos aplicativos. E daquele upgrade tão esperado nos círculos devocionais do saber, que sacralizam teorias, sem tentar encaixa-las na realidade dos dias atuais. Além de uberizar, o mundo também quer linkar, googar, twittar e até hackear. Tá na hora de se logar nos novos tempos.

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