ENFIM, A MUDANÇA QUE NÃO CHEGOU




Este é um momento histórico!” Você já leu muita baboseira depois de uma frase dessas. Besteiras, mesmo! Mas, neste caso, há de convir que a coisa é séria.

Pouco mais de 20 anos atrás, investir em empresas de telefonia estava entre os melhores negócios da Terra. Foi quando o governo brasileiro privatizou as estatais do sistema Telebrás e foi acusado de abrir mão de um patrimônio nacional. “Um imenso potencial econômico, serviço estratégico, tecnologia de ponta para sermos competitivos”, era isso que estaríamos “entregando”.

Pois veja só a peça que a tecnologia nos pregou! Nesta semana, as empresas estrangeiras que adquiriram aquele imenso ativo nacional, comemoraram a aprovação do PLC 79, a lei que dará a elas o direito de deixar de lado a telefonia fixa. Isso não é histórico? Por qualquer lado que se olhe, com certeza, o é. Por exemplo, a velocidade das transformações tecnológicas. A imaginação humana não foi capaz de prever o que ela mesma poderia mudar em tão pouco tempo.

Tem baboseira também. Ou melhor, para muitos é só teoria conspiratória, para outros, não. O tempo vai dizer e não vai demorar muito.

O PLC 79, de 2016, foi aquele que o Senado tinha aprovado numa madrugada, num momento de comoção nacional, com a queda do avião do time da Chapecoense. O então senador Lindemberg Farias, do PT, foi à Justiça questionar o jeito que a aprovação aconteceu. O projeto não tinha sido votado no plenário, só nas comissões. Renan Calheiros, que era o presidente da casa, mandou para o Executivo sancionar.

Nada disso, o STF mandou voltar lá para as comissões avaliarem de novo, depois o plenário teria que votar. E assim foi, muita polêmica, todo mundo apostava que ainda ia demorar muito. Até que nessa segunda-feira, o presidente convalescia de cirurgia, Marcos Cintra foi demitido da Receita Federal, teve apagão em Brasília, os jornais estavam cheios de notícias. E o Senado aprovou o tal PLC 79. O PT, que tinha ido ao STF contra o projeto, dessa vez votou a favor em peso. Aliás, só teve um senador contrário, Randolfe Rodrigues, da Rede.

É verdade que uma medida ninguém contestava: a LGT, Lei Geral das Telecomunicações, aprovada em 1997, precisava ser mudada. O estranho é que, com o PLC 79, a lei mudou de modo que um grande patrimônio, que não entrou no preço do leilão (era da antiga Telebrás), passa a ser das empresas concessionárias. São muitos imóveis e redes telefônicas cujo uso foi apenas concedido, para que as empresas prestassem o serviço. Foi só isso que elas compraram no leilão, o direito de comercializar o serviço de telefonia. Muitas outras mudanças previstas no PLC 79 entregam bilhões em ativos para as concessionárias.

A ideia era diferente. A mudança na LGT viria apenas para evitar gastos desnecessários das concessionárias. Por exemplo, a obrigação de investir em telefonia fixa, que a LGT determina. Isso não faz mais sentido, a cada mês mais telefones fixos são desativados pelos clientes. O que precisa é banda larga.

A banda larga também não vai precisar daquele monte de imóveis da Telebrás. A digitalização reduziu equipamentos e operadores a uma fração do que era usado antigamente para telefonia. Os prédios estão vazios. As concessionárias agora só querem esses imóveis para vender e fazer dinheiro.

E é aí onde está a outra questão histórica. Inversamente à rápida mudança tecnológica, é histórica a resistência à mudança do pensamento na gestão pública. Sim, os paradigmas da estatização estão mais fortes do que nunca.

O governo diz que as concessionárias terão que compensar as doações com investimentos. Hmm... Mas a privatização não foi justamente para os investimentos privados chegarem aos serviços públicos? Eram as estatais que, no passado, investiam usando bens públicos.

E, por fim, históricas também são as estratégias dos partidos de oposição, mordendo pra torcida vibrar, assoprando para o governo negociar.

A aprovação do PLC 79, do jeito que passou, é mais ou menos uma carta branca que os políticos deram para a Anatel, a agência que regula o setor. Agora fica para a Anatel estudar e propor como essas mudanças vão acontecer. O cálculo dos valores dos imóveis, onde vão ser os investimentos, tudo a Anatel vai decidir. E a oposição vai ficar à vontade para criticar, se indignar e dizer que está “de mãos atadas”.

É muita história! Tem até pra boi dormir.

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