NEGÓCIOS, NEGÓCIOS, PREJUÍZOS À PARTE




Já aconteceram várias daquelas marteladas solenes em bolsas de valores do Brasil. Momentos em que políticos e empresários se encontram para fazer um negócio histórico. Mesmo assim uma boa parte das autoridades ainda não entendeu bem o que é privatização.

No sentido inverso a política nacional está inventando a privatização 4.0. O contribuinte vive a esperança de que a versão 1.0, pura e simples, chegue o quanto antes. Aquela em que os bens da ex-estatal vão para o mercado, onde se lucra, e se corre riscos. Na 4.0 os riscos ainda ficam com o estado.

Um caso concreto está encubado nas gavetas do Senado há dois anos. Muita gente ainda tem na memória aquele projeto de lei que o Congresso aprovou na calada da noite, num momento de comoção nacional. Foi no dia imediato à queda do avião que transportava o time da Chapecoense, nessa mesma época do ano de 2016. Se a oposição não tivesse levado o caso para o Judiciário, o pacote de “bondades” teria virado lei.

Hoje o PLC 79 aguarda para entrar em votação no Senado e ser “eleito” o novo marco regulatório das telecomunicações. A nova lei pode transferir bilhões de reais em imóveis públicos para as concessionárias que arremataram as subsidiárias da Telebrás, nas privatizações de 1998.

Há razões concretas para mudar o marco regulatório do setor. Elas estão sendo usadas para justificar a aprovação de outras mudanças, “embarcadas” no mesmo projeto. O ponto mais polêmico se refere aos chamados “bens reversíveis”, que até hoje não têm uma definição jurídica clara ou uma lei detalhada que os defina. É a opinião de vários juristas que já se manifestaram a respeito.

O que chama atenção é a forma como parlamentares e autoridades públicas demonstram preocupação com as concessionárias de telefonia. No parecer de uma das comissões do Senado, Flexa Ribeiro (PSDB/PA), que pede a aprovação do projeto, faz afirmações do tipo “... Senado Federal tem em suas mãos a responsabilidade de decidir se avaliza a evolução do modelo regulatório das telecomunicações e, assim, abre espaço para que investimentos privados conduzam a infraestrutura para um novo patamar, ou se aguardará e assumirá o risco de se estabelecer o caos em mais um setor da economia.” Não parece dramático!


AFINAL, DO QUE SE TRATA?


Os bens reversíveis estão associados à ideia de concessão de serviços essenciais. Como é o caso da telefonia. As concessionárias arremataram empresas estatais em funcionamento, onde encontraram basicamente equipamentos, redes e imóveis. Os bens reversíveis são aqueles indispensáveis ao funcionamento do serviço para a população. Se a empresa tiver algum problema que a impeça de continuar, ou se decidir sair por qualquer motivo, ela não poderá levar embora determinados equipamentos, nem desativar redes ou vender instalações. Parte dos bens reverte para o estado, o poder concedente, para que se providencie a continuidade do serviço essencial.

A privatização de 1998 envolveu a telefonia fixa. Os equipamentos de 20 anos atrás, hoje são peças de museu. Nas redes, o que menos trafega é telefonia fixa e os novos equipamentos são muito menores, sobrou muito espaço físico. O grande negócio é vender os imóveis que estão vazios.

Em um relatório recente do Tribunal de Contas da União consta que parte dos imóveis daquelas estatais de telefonia não foi contabilizada para a formação do preço inicial para os leilões. Talvez porque, privatizar um serviço essencial, era novidade no Brasil. Na suposição de alguns analistas, se a privatização não desse certo em alguma área, o governo já teria garantido, com ele, pelo menos algum ativo imobilizado. Teria sido leiloada a exploração comercial dos serviços. O fato é que as empresas arremataram sabendo que iriam dispor dos imóveis somente para a prestação dos serviços, não como patrimônio próprio. É exatamente esta a grande polêmica da lei que o Senado vai votar.

Do jeito que está, a nova lei concede todos esses imóveis às respectivas concessionárias. E as empresas teriam a obrigação de programar investimentos para locais remotos onde não há retorno comercial e também para implantação de serviços para pessoas deficientes. Levantamentos preliminares falam em R$ 130 bilhões em imóveis, valor que deverá ser convertido nos referidos investimentos.
Aí começa a “privatização 4.0”. Por que o estado tem que abrir mão de bens para que as empresas façam os investimentos em valores correspondentes? Investir não é justamente o que se espera das empresas privadas? Setores da oposição querem alterar o projeto, mas vai ser muito difícil apontar outro caminho. Não existem leis para dar um embasamento seguro do que está no projeto, que dirá para alternativas.


MUDAR É PRECISO


Quando batia o martelo na Bolsa de Valores cada empresa sabia bem o que estava comprando e em que ramo estava investindo. Ninguém no mundo sabia que a telefonia móvel iria avançar tão rápido. E, mesmo assim, no mundo todo as empresas estão se virando. Por que as concessionárias brasileiras precisam contar com o apoio do governo desestatizado?

O sonho de ter o mercado suprindo todas as necessidades da população começa por um governo cabeça fria. Os clientes estão aí e as empresas sabem como ganhar dinheiro atendendo-os. Se uma empresa não dá conta da região, outra aparece para tentar. A privatização não serve também para acabar com monopólios? Ao governo cabe apenas definir regras claras e estáveis.

É exatamente o que o PLC 79 não tem para oferecer. Traz regras confusas, na tentativa de uma solução de momento. Em 2005, época da renovação da concessão, as empresas gostaram de ver prorrogados seus contratos em 20 anos. Mas agora a linha fixa rende muito pouco, então querem mudar o jogo, “surpreendidas” que estão pelo súbito avanço tecnológico. Ora, ora, então por que o PLC 79 prevê a possibilidade de novas prorrogações sucessivas de 20 anos para os contratos!? Talvez porque as empresas já estejam contando com novas soluções de momento, caso algum risco apareça.

Essas combalidas (?) empresas de telefonia, há 5 anos, quando ostentavam as maiores tarifas do mundo aqui no Brasil, diziam ser impossível abaixar os preços, por causa dos impostos. Apareceu o WhatsApp, reduziu severamente o faturamento das teles, mesmo assim elas resolveram abaixar os preços para se manterem no mercado. Os impostos continuaram os mesmos. E elas parecem pobrezinhas?

O mais irônico é que tudo isso é feito em nome “dos que mais precisam”. O governo transfere quantias vultosas para concessionárias, sob o pretexto de interesse social: “-Precisamos garantir a oferta de serviços nos mais longínquos rincões!” E então, sentem-se à vontade para oferecer patrimônio público para as teles. Quem sabe, algum dia o governo resolve doar também parte desses territórios imensos, pouco povoados.

Que precisam ser feitas modificações na lei atual, parece ser ponto pacífico. Não faz sentido obrigar as concessionárias a manterem um monte de orelhões funcionando. A telefonia fixa não precisaria de tantas exigências afinal, nem é tão “essencial” hoje em dia. Mas seria bom que elaborassem leis e políticas para acompanhar o ritmo crescente da inovação no setor. E não apenas pretextos para alienar imóveis para alguns participarem dos lucros.

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