A LIBERDADE E RESPONSABILIDADE NÃO ESCOLHEM SEUS MUNDOS


"Atentado à democracia!" Calma. Ainda nem sabemos se é golpe ou não é, melhor não começar mais um debate sobre conceitos jurídico-políticos. O que aconteceu é que o WhatsApp ficou 25 horas fora do ar e as consequências foram... memes. Esses soluços audiovisuais, descendentes cibernéticos dos "ditados" ou "adágios populares", forçam mais o lado irônico, humorístico, e assim se tornam "bobagens bem-ditas". Como tudo que vem da criatividade do povão tem lá sua sabedoria, vale a pena debruçar sobre o grande acervo, gerado espontaneamente, em menos de 48 horas.

O inusitado teve rápida repercussão social, elevada de imediato à categoria de "comoção". No dia seguinte, o Magistrado que revisou a medida já falou em "convulsão social". "Data máxima vênia", senhor Desembargador, fato que não passou pela minha janela, não passou na minha TV, ou nunca passou pelos verbetes do exemplar que tenho do "Aurélio". "Convulsão social" é muito. Mark Zuckerberg, o filantropo provedor deste bem de primeira necessidade, revelou ao mundo estar "assustado" com o ocorrido na nossa democracia e evocou o "direito à liberdade de comunicação". Direito esse que nossos presídios preservam integralmente aos seus comensais.

Mas houve repercussões muito mais sérias. Afinal, quando um serviço é gratuito, os usuários costumam reclamar mais. Lojistas, em rede nacional, confessando que o WhatsApp é a principal vitrine de que dispõem. Trabalhadores cabisbaixos, vítimas de exclusão das piadas em seus grupos sociais e uma legião de boys calados nas filas de repartições. Muito mais injuriados do que nas ocasiões em que cai o sistema de um banco estatal e muita gente fica sem receber.

NEM TANTO AO CÉU, NEM TANTO AO LEO


Houve, sem dúvida, a suspensão de um direito. Interferiu fortemente no hábito mais inteligente da nossa espécie, que é a comunicação. Isso é sério, precisa ser avaliado com todo cuidado. O que implica avaliar toda a extensão do fato, no tempo e no espaço. As fronteiras nacionais, antes compactas, são cada vez mais permeáveis aos novos usos, costumes e tecnologias. Mas não às leis de diferentes democracias.

Faz pouco mais de um mês que o WhatsApp mudou todo sistema para encriptar a comunicação de cada usuário. Total privacidade, garante a empresa. Hã, hã! Mr. Obama acha que o Estado Islâmico deve ter assegurado o direito de planejar atentados pelo aplicativo, com total privacidade. O iPhone que a Apple se recusou à desencriptar para o FBI, foi uma missão fácil para um grupo de hackers que a polícia federal americana acabou contratando. Quebraram o segredo em pouco tempo. Só por isso os tribunais americanos não precisaram dizer o que pensam dessa tal privacidade. Um direito que está sendo redimensionado neste início de milênio. Você é contra? Continuaria sendo contrário se estivesse embarcando em Nova York, num vôo para Londres? A maioria prefere abrir mão de parte da privacidade, passar pelo raio X, mas voar na certeza de que ninguém carrega uma bomba a bordo.

Depois do episódio Edward Snowden parece ter ficado claro que os Estados Unidos querem total privacidade... para eles. Afinal, mais do que ninguém, são eles que mais precisam de inteligência policial. Difícil acreditar que nada seja rastreado pelos especialistas do Tio Sam.

COMO ERA NO TEMPO ANTIGO


Historicamente, quando alguém criava um serviço novo tinha que "registrar no Governo", conseguir licença e assumir uma série de responsabilidades. Agora, com a Internet, as coisas aparecem e simplesmente viram atalhos pra quem quiser. Não dá pra ter um mundo onde bandido circula a vontade e a polícia não entra. O Juiz Federal sergipano, que bloqueou o aplicativo, atendeu a uma solicitação da Polícia Federal, que esperou por muito tempo pelos dados do WhatsApp, sem receber nenhuma atenção. O alvo é uma grande quadrilha do tráfico de drogas. O Marco Civil da Internet no Brasil prevê a suspensão dos serviços que eventualmente atrapalhem o cumprimento das leis brasileiras em território nacional. Para uma parte da população parece mais sensato que as pessoas se acostumem com eventuais suspensões do WhatsApp, uma vez que ninguém paga por ele. Desde que a justificativa seja inquestionável.

Essa diluição crescente das fronteiras precisa ser encarada com sinceridade pelas nações. Por que não convidar técnicos do WhatsApp, do Facebook e de outras redes sediadas no Exterior para conhecerem as peculiaridades brasileiras? Podem criar configurações que permitam uma mínima vigilância, quando necessário. Precisa haver uma conversa de gente grande.

A questão vai muito além dos lucros que as empresas de telefonia móvel querem recuperar com a venda de impulsos. Isso é entre eles, que se virem para conquistar a preferência dos consumidores. O que não pode é inventar brinquedos no mundo virtual sem pensar nas consequências para o mundo real. A tão exaltada liberdade da Internet precisa, mais do que nunca, se haver com a correspondente responsabilidade. Isso não atrapalha em nada o lado divertido das benditas bobagens.

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