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Ainda não caiu a ficha pra muita gente, mas o Brasil está prestes a fechar um dos maiores negócios públicos dos últimos tempos. E não deve usar um único saco de cimento. Trata-se do remanejamento da faixa de 700 MHz para as teles, as empresas de telefonia móvel, que querem trafegar o sinal de Internet 4G nessa frequência. O leilão de 3 licenças - que serão disputadas entre as 4 grandes operadoras, Vivo, Claro, Tim e Oi - prevê uma arrecadação da ordem de R$ 18 bilhões. Num plano de comparação, quando foi projetada a modernização e expansão do metrô de São Paulo, que aumentaria em mais de 5 vezes o tamanho das ferrovias subterrâneas na cidade, a previsão de custos era de R$ 23 bilhões. A Hidrelétrica de Santo Antonio, no Rio Madeira, deve consumir R$ 13,5 bilhões e a de Belo Monte, uma das maiores do mundo, R$ 19 bilhões. Sem entraves do tipo licença ambiental, transporte de materiais ou alocação de mão de obra, esse dinheiro todo vai ser jogado na mesa no próximo mês de agosto, data em que está marcado o leilão. E vai colocar em jogo muito mais do que se imagina. Vai mexer com o serviço público mais utilizado por brasileiros de todas as idades, nas mais variadas latitudes geofísicas e sociais: a TV aberta. O sinal de Internet 4G no Brasil por enquanto utiliza uma frequência bem maior, que exige muito mais torres e investimentos para trafegar. Na faixa de 700 MHz, como querem as teles, o custo de expansão do sinal vai ser muito menor porém, haverá riscos de interferência na TV digital. É aí onde o "poder concedente" aumenta o preço da martelada no pregão, além das notas que vão ser empilhadas na mesa. Falam em exigir vários estudos e relatórios técnicos e em uma compensação, por antecipar o desligamento da TV analógica. Algumas emissoras, ainda analógicas, trafegam exatamente na faixa que as teles querem, bem ao lado do sinal digital.

O sinal analógico, com suas tradicionais ondas trêmulas, merece todo respeito em sua aposentadoria. Foi ele quem, durante tantos anos, levou alegria a milhões de lares brasileiros. Desde o grito do Tri, que nos valeu a gloriosa Taça Jules Rimet, às primeiras cores nas paisagens das novelas. E é este senhor vibrante que até hoje traz até milhões de lares muita alegria, além das datas de vacinação, as campanhas de doação de sangue, de combate à dengue. Quem não tem condições de investir na nova tecnologia não pode simplesmente ficar sem TV. Não foi assim nos Estados Unidos e nem está previsto acontecer sem compensações em qualquer país. Como as teles aparecem de boca aberta e rabo abanando na porta do governo, pedindo antecipação, ele quer transferir a responsabilidade dele para as empresas bilionárias. Na contabilidade fica maravilhoso, mas na engenharia pode complicar bastante.

Começa por avaliar exatamente do que estamos falando. O sinal digital tem o potencial de transformar TVs, mesmo aquelas antigas, em terminais capazes de interagir à distância até para marcar uma consulta pessoal num posto de saúde. Para isso só precisa ligar um set-top box - que hoje é chamado de conversor - com melhor desempenho, ao aparelho de TV. Esse "melhor desempenho" pode aumentar o custo do set-top box em duas ou três vezes. Considerando um universo de 14 milhões de lares - os beneficiários do bolsa família são os excluídos oficiais - os valores assustam.

Independente de ser viável ou não, é preciso separar TV digital de uma simples TV. É como comparar um telefone fixo tradicional com um celular dos mais modernos, onde o que menos importa é a chamada telefônica. A TV digital pode prestar muito mais serviços do que apenas reprodução do som e da imagem das emissoras. Num país continental, onde o IBGE constatou um "apagão" de atendimento de serviços públicos federais em mais de 60% dos municípios, a onda digital pode representar a oportunidade de um choque de cidadania.

Agora vem a parte mais delicada da questão. É a mistura de padrão de serviços das teles com o padrão das emissoras abertas. As teles brasileiras tem o custo por chamada mais caro do mundo, são campeãs isoladas em reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, tanto pela qualidade dos serviços como pelo não cumprimento de contratos com seus clientes. As emissoras abertas são gratuitas para o consumidor final, são reconhecidas internacionalmente entre as melhores do mundo em programação e mantem uma qualidade de sinal tecnicamente exemplar. Daí aparece o vice-presidente da Anatel, Jarbas Valente, minimizando as preocupações com a possível interferência entre os sinais dos dois serviços: "os filtros resolvem a maioria dos casos". Quando o filtro não for suficiente, propõe simplesmente aumentar a altura das antenas. Ele acha que vai ser muito fácil, que os "call centers" podem orientar pelo telefone quem tiver alguma dificuldade. Talvez ele nunca tenha ligado para o call center da operadora do celular dele. Ou não fez as contas de quantas chamadas podem aparecer simultaneamente, em todo o Brasil, na hora da
novela.

A questão é que estamos em ano eleitoral e R$ 18 bilhões para investir em obras podem ser decisivos durante a campanha. Olímpio Franco, da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão, acha que ainda é perigoso ter um vizinho de sinal como a tecnologia 4G. Ele propõe mais estudos e muitos testes para avaliar objetivamente o que os receptores de ambas as tecnologias vão sintonizar de fato. Para o cidadão comum a pergunta é muito simples: "-você gostaria de ver a sua TV funcionando com a confiabilidade do seu celular?"

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