O MAIOR LEILÃO DO 5G NO MUNDO



Todo mundo olhando para o mesmo copo. E, por enquanto, só se fala na metade cheia. O “copo” é o leilão do 5G. Na metade cheia estão o fato de ter sido o maior leilão do gênero no mundo, a arrecadação de quase R$ 47 bilhões, os 400 MHz de largura de espectro só na principal frequência (3,5 GHz) e um total de 3,77 GHz oferecidos para todas as frequências.

Na medida em que o tempo vai passando é a metade vazia que começa a chamar a atenção. Ali pode caber tanto uma xícara de chá de boldo quanto uma dose de um Royal Salute 21 anos. O que já poderia estar lá? E por que não está? Agora é melhor tentar entender as estratégias, o lado técnico da coisa e evitar ao máximo especulações sobre eventuais intenções ocultas.


A estratégia do governo se revelou por oferecer o máximo de espaço espectral possível (quantidade de faixas de frequência) para barganhar soluções duradouras. Até agora a mídia está aceitando muito bem a tese. No entanto, os principais leilões do tipo parecem ter usado a estratégia inversa. Basta considerar que na frequência de 3,5 GHz, a mais utilizada no mundo para 5G, o leilão realizado pelo comitê que trata do assunto nos Estados Unidos, ofereceu um espaço espectral 30% menor do que o Brasil leiloou.


É importante considerar que é nos 3,5 GHz onde está o grande negócio do momento. Mais da metade do valor total do leilão foi arrecadado nessa frequência. E ela representava menos de 15% do total de frequências neste evento. Esse filet mignon ficou entre as três grandes – Vivo, Claro e Tim – com um ágio muito modesto. A concorrência entre elas foi tão moderada que até sobrou um lote dessa frequência.


Mas se o preço estava baixo, por que não vieram grandes concorrentes de outros países? Entre os vários possíveis motivos, a insegurança pode ser a explicação. O edital deixou muitas questões em aberto, sem regras, o que traz preocupação para quem não está habituado a lidar com os órgãos reguladores no Brasil. No caso das três grandes que já estão por aqui, é diferente. Elas estão unidas numa espécie de sindicato que as representa em várias instâncias. Têm grande proximidade com a Anatel, possivelmente participaram, ainda que à distância, da elaboração do edital, das regras do leilão. Qualquer empresa que não faz parte do tal sindicato se sentiria insegura.


Por exemplo, foi divulgado que na faixa de 3,5 GHz “o leilão arrecadou R$ 1,35 bilhão.” É uma maneira hábil de divulgar apenas o saldo que ficou para o tesouro. Porém, o dinheiro envolvido nessa transação é muito maior. O preço que foi pago chegou a quase R$ 27 bilhões. A diferença, de R$ 25,5 bilhões, volta para as operadoras como “compromisso de investimento”. Isso significa que elas vão usar esse dinheiro para construir as próprias redes que elas vão explorar. O argumento é de que, em 98% dos municípios brasileiros, o 5G não seria viável comercialmente, por isso o governo precisa dar esse retorno para as empresas.


Agora vem a parte mais arriscada. Esses R$ 25,5 bilhões foram estimados pela Anatel com bases frágeis, em alguns casos, totalmente irreais. Não tem projetos, especificações, nem prazos para as várias etapas, só um prazo final. Que, se não for cumprido, não tem qualquer penalidade prevista. Por isso, uma empresa que não tenha proximidade com os órgãos reguladores do setor aqui no Brasil, pode se sentir sob os rigores da lei. São muitas incertezas.


Na teoria pode-se dizer que o governo arrumou um jeito de levar banda larga para todo o país. E o jeito foi leiloar muito espectro por muito tempo (o prazo é de 20 anos para cada lote arrecadado). Por outro lado, na prática, cerca de R$ 40 bilhões de dinheiro público estão sendo repassados para empresas privadas, que devem montar toda a infraestrutura para conectar o Brasil inteiro até o ano de 2029. Se isso vai acontecer de fato, só esperando para saber.


Por fim, é bom lembrar daquela lei da natureza segundo a qual, quanto maior a oferta, menor o preço. As empresas arremataram muito espaço espectral, por um prazo muito longo. Ninguém pode prever o que vai acontecer nas telecomunicações daqui a 10 anos, muito menos em 20. O que se sabe por enquanto é que, em 2028, o 6G já estará disponível comercialmente. Para as operadoras ficou ainda a comodidade de não haver data para colocar em serviço todas as frequências que arremataram. Podem conter a oferta, valorizar os serviços, para usarem mais espectro quando for mais interessante.

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