MAIS LUZ NO SABRE DO JEDI



Eleição em “Jornadas nas Estrelas”? Não, nenhuma ficção futurista fala em direitos dos cidadãos, voto, casas legislativas. Será que a democracia não tem futuro? A julgar pela história moderna é mais fácil acreditar que não vai ter futuro sem democracia. Se ninguém trata disso nas peças de ficção deve ser só porque o assunto é muito chato mesmo.

Daí a gente conclui que, se há uma certeza sobre a permanência da democracia, a outra certeza é de que ela deve ficar um tanto diferente do que é hoje. É muita energia desperdiçada, excesso de normas e volatilidade. Precisa dar um upgrade nas regras do jogo, na configuração do poder. Precisa de mais “demo” no lugar de tanta “cracia”. 

No rumo da inovação, novas leis podem ser necessárias. As leis de proteção de dados parecem ser um caso clássico. Mas, no geral, leis emanadas de estados tendem a prejudicar o avanço tecnológico. As tentativas de criar leis contra fake news, por exemplo, têm mostrado um lado negativo da regulação estatal.

Surpreendentemente, uma decisão estatal recente aqui no Brasil parece ter sido tão acertada que, em breve, pode causar arrependimento aos próprios órgãos que a decretaram. Tudo começou quando a Fox TV Brasil decidiu oferecer a sua programação linear diretamente ao consumidor, pela Internet. O canal sempre foi comercializado em TV por assinatura. A Claro, dona da Claro TV e da Net, maior operadora de TV por assinatura no Brasil, se viu no prejuízo. “Se todos os canais fizerem isso o meu negócio vai acabar”, deve ter pensado. Juntou todos os argumentos contra a ideia da Fox TV e foi reclamar na Anatel. Aqui entra o capítulo mais divertido, aquele em que um novelo de leis dá um nó nas próprias leis.

A TV por assinatura é considerada uma infraestrutura de telecomunicação e, como tal, está sob a regulação da Anatel, nominada Agência Nacional de Telecomunicações. Essa extensa rede de cabos e satélites dos canais por assinatura serve a um SeAC – Serviço de Acesso Condicionado (só tem acesso quem paga) e recebeu uma legislação própria. Lei pesada, hein! Os canais por assinatura têm obrigação de oferecer um mínimo de produções brasileiras aos seus clientes, precisam pagar taxas que revertem em favor do audiovisual nacional, reservam canais para universidades, TVs comunitárias, etc, etc.

Na Internet a coisa é outra. É uma rede mundial que passa pelo Brasil, onde tem ramificações. Não há como decidir internamente o que vai acontecer com a Internet. Sendo assim, o que circula na grande rede, quando é pago – como o Netflix, por exemplo – é considerado Serviço de Valor Adicionado (SVA). Algo numa rede internacional entrega valor a quem interessar possa, e que possa pagar, inclusive. Coisa a ser resolvida entre quem compra e quem entrega.

Em 2011, quando a lei do SeAC foi aprovada, o Brasil digital era outro. Máquinas e bandas de conexão eram muito modestas, se comparadas às atuais. O Netflix tinha chegado ao Brasil uma semana antes da promulgação da lei e smart TV era um luxo recém-chegado, tinha uma aqui, outra ali. Ninguém imaginava que a poderosa TV a cabo estivesse em vias de tomar a rasteira tecnológica na qual está capengando até hoje. Talvez por isso tenham colocado tantas obrigações e tributos em cima dela.

Hoje, com o Netflix ameaçando até Hollywood, o streaming – também conhecido como OTT – é a bola da vez no audiovisual. Foi por isso que a Fox TV resolveu colocar sua programação linear – que tem uma sequência própria de programas (grade de programação), como nos canais de TV aberta – na mesma onda. Um canal por assinatura que chega pela Internet. As operadoras de TV por assinatura, lembrando das obrigações e impostos que pagam nesse negócio, esperavam ver pelo menos os penduricalhos fiscais e regulatórios, lançados também na conta de seus concorrentes streaming.

A decisão da agência, publicada na semana passada, pode ser resumida mais ou menos assim: “O que eu tenho a ver com isso”. A Anatel demonstrou que, em não se tratando de infraestrutura de telecomunicações, a lei do SeAC não se aplica. E mais! Numa frase lapidar, o Conselheiro da agência, Emmanoel Campello, fez a seguinte referencia ao “Princípio da Neutralidade Tecnológica”: "-Não é dever da Anatel proteger ou assegurar determinadas tecnologias, serviços ou business plans". Vamos ver se os conselheiros lembram disso quando estiverem tratando de assuntos relacionados às quatro grandes (quase três) operadoras de telefonia móvel...

No caso isolado, deve ser difícil contestar a lógica da decisão da Anatel. Porém, quanto à Lei do SeAC em si, por que as operadoras de TV por assinatura precisam resolver os problemas do audiovisual brasileiro? Talvez a exatidão das novas tecnologias precise refletir também nas novas leis. Remendos aqui e ali, para solucionar passivos culturais, sociais e educacionais, não vão caber mais em leis para regular negócios advindos da inovação tecnológica. Leis existem para fazer justiça. É assim que se evita confrontos e espadas nas contendas.

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