EM BUSCA DA ADOLESCÊNCIA PERDIDA



Certas explicações se bastam. Não que sejam esclarecedoras, longe disso. É que não permitem contestações, uma vez que qualquer argumento adicional só vai complicar mais. Exemplos: “deu pau no sistema”, “foi uma virose”, “ela está na TPM”, “é culpa da oposição”. Segue-se uma sensação de total impotência e, para os de bom senso, recuar passa a ser a opção.

“É apenas um adolescente” faz parte desse rol. Basta dizer que todo mundo passa por essa condição que, mesmo assim, até hoje não foi explicada. Não é criança, nem jovem, adulto ou velho. Mistura infância e juventude, com um intelecto praticamente adulto. Sequer a faixa etária correspondente encontrou ainda um consenso. Nesse ponto nem a OMS (Organização Mundial de Saúde) está de acordo com o que pensa a própria ONU.

Pois é esse contingente da população o alvo mais perseguido pelo Facebook em sua estratégia atual. De acordo com matéria publicada no portal UOL, a rede social estaria sofrendo uma verdadeira debandada de adolescentes. Boa parte estaria migrando para o Instagram, do mesmo Zuckerberg, mas isso não muda a obrigação de reconquistá-los.

A fórmula que está sendo gestada chama-se LOL e deve ter como principal conteúdo os memes, gênero nativo da Internet. Eles querem que os adolescentes riam muito e se entretenham com pegadinhas, animais, celebridades, games. Não vale dizer que adolescente se contenta com pouco, pois o Faustão usa fórmula parecida e não é voltado para os teens. As chamadas “videocassetadas” estão entre as atrações preferidas da audiência.

O novo conteúdo pode vir na forma de um aplicativo independente ou como um recurso a mais dentro do próprio Facebook. A primeira versão já estaria em testes entre um grupo de cerca de 100 adolescentes americanos. 

E se você acha que elas e eles precisam de menos futilidade, saiba que a culpa pode ser toda sua. Um estudo de mercado realizado pela eMarketer concluiu que esses perfis estão fugindo do Facebook pela presença dos “velhos”. Eles se incomodam com o like da mamãe, os “parabéns” do vovô e os pedidos de amizade do tio solteirão. O Facebook estaria se tornando uma opção para que os pais vigiassem, ou até doutrinassem seus adolescentes.


A CABEÇA EM OUTRO MUNDO


Mesmo diante da dificuldade que adolescentes representam em qualquer tipo de interlocução, não é apenas o Facebook que faz questão de tê-los entre seus frequentadores. O Netflix também se sente traído pelas turminhas cheias de atitude. E luta para merecer mais a atenção delas.

A plataforma de streaming, que ocupa cerca de 10% das telas domésticas fixas nos Estados Unidos, descobriu recentemente quem é seu principal concorrente: o Fortnite, um videogame multijogador online, criado pela Epic Games. O Netflix tem 139 milhões de assinantes americanos, enquanto o Fortnite passa de 200 milhões de jogadores registrados. É de se supor que a maioria seja de teens identificáveis. O resto estaria entre aqueles adolescentes escondidos em corpos adultos, quase adictos quando se trata de um de bom game.

O Netflix dá como certa a maior presença do Fortnite nas telas americanas, tanto fixas como móveis. E não parece que haja alguma coisa por fazer nesse sentido. O crescimento dos videogames é inegável, sólido, embora não tão visível. A modalidade por vezes é solitária, muitos podem jogar individualmente, outros online, buscando adversários remotos que escapam da muvuca típica dos duelos esportivos. Um segmento de videogames, o e-Sports, foi cogitado até para as Olimpíadas de 2024, na França. Vieses de violência e discriminação, claramente opostos aos ideais olímpicos, acabaram assustando o Comitê Olímpico Internacional.

Isso não impediu que, em vários países do mundo, incluindo o Brasil, campeonatos de e-Sports estejam lotando ginásios esportivos. Mobilizam anualmente milhões de pessoas e bilhões de dólares. São mundos a parte onde os jogadores vivem fantasias, extravasam rebeldia, energia e muita adrenalina.

De certa forma os jogos eletrônicos estão se estabelecendo como traço definitivo da cultura contemporânea. Fazem parte do cotidiano de um número crescente de pessoas, que jamais vão abandonar a prática. Porém, assim como vários outros hábitos em nossas vidas, se estabelecem entre a infância e a adolescência.


NEM UMA COISA, NEM OUTRA


Enquanto segmentos econômicos importantes disputam o interesse dos adolescentes, esse conceito confuso, que é a adolescência, tende a ganhar uma divisão regional. O fechamento da fábrica da Ford no ABC paulista, anunciado na semana passada, é um forte sinal de que o adolescente dos países em desenvolvimento tende a ser muito diferente em relação aos habitantes de mesma idade nos países desenvolvidos.

Analistas entendem que o crescimento dos sistemas autônomos de produção vai reduzir o interesse por mão de obra humana barata. Um país como o Brasil, que até hoje é apenas um player do mercado de commodities e de mão de obra pouco qualificada, vai ver a oferta de oportunidades reduzir para os adolescentes.

O pior é que 23% dos nossos jovens, considerando uma faixa etária de 14 a 29 anos, se encaixam na realidade “nem nem”. Nem estudam, nem trabalham. É um dos maiores índices desse fenômeno na América do Sul. É verdade que a magnitude desse dado precisa ser relativizada, uma vez que principalmente mulheres, como donas de casa ou engajadas em cuidados complexos com familiares idosos ou com outras limitações, foram incluídas no grupo nem nem. Mesmo assim, a fração ”raiz” da população nem nem é significativa. Um pequeno esforço de memória e você vai lembrar de exemplos próximos entre amigos ou na própria família.

A preocupação é maior para os países pobres porque, quando “der na telha” do adolescente procurar um emprego – ou mesmo o ex-adolescente – não vai ser fácil encontrar. A opção estará entre as funções mais primitivas, como trabalho no campo, serviços de limpeza. Até a construção civil vai estar mais automatizada, as linhas de produção na indústria nem se fala. O entregador pode ser um drone, o vendedor um aplicativo de AI, até o porteiro vai migrar para sistemas IoT. Vai encontrar emprego quem tiver qualificação.

O mundo atual é um território perigoso para adolescentes. Essas criaturas extremamente energizadas, vestidas num corpo adulto, ainda conservam impulsos e respostas infantis para situações delicadas. Para aquelas e aqueles de temperamento mais rebelde, as consequências podem ser penosas.

A formação do Brasil enquanto nação projeta uma superpotência. Vasto território, terras agricultáveis, recursos naturais em abundância, convivência cultural e racial relativamente pacíficas. E mesmo com tudo isso ainda não foi possível construir nada além de uma imensa fazenda, com algumas baias de progresso aqui ou ali. Mais do que nunca, o Brasil precisa cumprir seu destino de país adulto, soberano. Afinal, a resposta do tipo “somos o país do futuro” está perdendo as mínimas condições de se sustentar.

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