SEMPRE APARECE ALGUÉM PRA DEFENDER
Você não está lendo aqui a
palavra ética. Ou melhor, só está lendo-a para saber exatamente do que não
estamos falando. Não tem nada de confuso. É só um cuidado para falar da
perigosa confusão entre os verbos fazer e falar (ou escrever). Quer um exemplo?
Onde é que mais se fala as palavras “ética”, “honra”, “honestidade”, “lisura”,
“probidade” e similares? No meio político, oras! E de onde saem as notícias sobre
os mais escandalosos feitos contra todos esses conceitos tão falados?
Exatamente do mesmo lugar.
Esse é o risco que estamos
tentando evitar. Falar (escrever) muito sobre ética pode trazer
suspeita, levando em conta o que se vê na política mundo afora.
Como você classifica alguém
que está em um cargo público importante, como um Ministro de Estado, que exige
“doações” de empresas para liberar o pagamento de serviços prestados? Os
maiores advogados criminalistas do Brasil classificam essa pessoa como sendo
“honesta e honrada”. Que nome se dá a alguém que paga por uma assinatura de
TV fora da lei, que é muito mais barata do que a assinatura legalmente
reconhecida? Para os mesmos notáveis – e onerosos – criminalistas deve ser
“honesto e honrado” também. Embora, é claro, não coincidam em nada com o que se
lê nos respectivos verbetes dos dicionários.
A questão não é a palavra
falada ou escrita, o que tentaremos discutir aqui é a essência de atitudes tão
comuns no dia a dia que são relativizadas. É o que acontece com vários dos que
contratam assinaturas ilegais de TV e relacionam os fatos (relativizam) ao
dizer: “-Se até o Ministro faz uma coisa daquelas, por que eu não posso
piratear um sinalzinho?” Quem age assim não percebe que está escolhendo para si
e para os outros um tipo de mundo onde todos iremos viver.
TVs POR ASSINATURA EM ALERTA
Um executivo de uma operadora
brasileira de TV por assinatura teria declarado ao site Tela Viva que a maior ameaça ao setor já está no Brasil e vem
crescendo rapidamente. Um tipo de pirataria que roda em caixas modelo HTV. Quem
comercializa a caixa diz que se trata apenas de um entre os vários projetos de
“PC simples, barato e acessível a todos”. A questão é que a caixa HTV tem sistema
operacional Android e características semelhantes a outras caixas conectadas,
como Apple TV e Chromecast. Tanto que, no mercado eletrônico brasileiro, ela é apresentada
como “receptor IPTV sem antena e sem cabo”. A caixa HTV pode rodar o aplicativo
player de mídia de código aberto Kodi que, com a instalação de alguns plug-ins de
terceiros, forma uma plataforma completa para distribuição clandestina de conteúdo,
baseada unicamente na Internet. E é o que está acontecendo, com o apoio de uma
rede de “colaboradores” que digitalizam o conteúdo de operadoras nacionais e
jogam no ar. Estariam utilizando até servidores do tipo CDN, próprios para a
distribuição de conteúdos de vídeo.
O Kodi, em princípio, teria
surgido como um gerenciador de mídia DRM, uma versão free de softwares do tipo
Windows Media Player. Hoje já tem uma grande variedade de implementações,
muitas delas voltadas para piratear conteúdos em vídeo.
Há informações de que o
arranjo tecnológico da caixa HTV, montada e distribuída por fabricantes
chinesas, é fruto da engenharia coreana com suporte de software russo. A questão é que está corroendo a receita das
operadoras de TV por assinatura da Europa e chegou com força ao Brasil.
Acredita-se que essa nova modalidade pirata vai tentar ocupar o espaço que era
da AZ Box e similares, cujos prejuízos foram minimizados a partir do ano
passado, por conta de novas tecnologias adotadas pelas operadoras. Elas teriam
conseguido evitar o “compartilhamento de chaves”, base do funcionamento das AZ
Box.
Sem meias palavras trata-se
de furto, crime previsto no Código Penal Brasileiro e de qualquer outra nação
do mundo. A vítima direta são operadoras de TV por assinatura porém,
indiretamente, há toda uma cadeia de valor da maior importância para a cultura
no mundo todo. Ao distribuir qualquer conteúdo as operadoras pagam direitos
autorais que remuneram criadores, atores, profissionais de cinema e vídeo,
técnicos e uma infinidade de trabalhadores, equipamentos e insumos. Recolhem
impostos, geram empregos formais e lucros, o que está dentro das regras do
jogo. Se o preço para o consumidor final remunera o serviço mais do que
deveria, é algo para ser discutido dentro da lei. Porém, essa margem de lucro
deve ser bem maior para o “cara legal” que furta o conteúdo e distribui para o
consumidor a um preço bem menor. Afinal ele não paga nada disso que incide
sobre os custos das operadoras.
Atualmente, quem compra a
caixa HTV com o Kodi não paga assinatura. Porém, da forma como essa base de
consumo vem crescendo, é de se supor que, em breve, vão começar a oferecer
“planos” mais completos, desde que pagos. As plataformas contam com softwares avançados para o streaming, que permitem serviços mais sofisticados,
como o catch-up. Em qualquer um dos
casos, todos que trabalham honestamente na cadeia de produção cultural que
abastece esses negócios, estão ficando no prejuízo.
O MUNDO QUE QUEREMOS?
Aquele discurso
revolucionário, que “denuncia” os altos lucros das operadoras, neste caso é
mais uma relativização do furto, do crime. Porque ninguém distribui caixas HTV
de graça, carregada com Kodi. Quem compra essa plataforma pronta para usa-la em
seu potencial de acesso a conteúdos de vídeo é ladrão. Principalmente vivendo
neste Brasil que é o paraíso mundial da TV aberta. Quem não tiver conteúdo por
assinatura não vai ficar sem ver televisão.
Há uma “teoria de
conspiração” agregada a esses fatos que merece atenção. As operadores afirmam
que uma das dificuldades sérias para corrigir esse problema está no Marco Civil
da Internet. As normas que garantem a privacidade e a neutralidade da rede
dificultariam a inspeção dos pacotes de dados e até mesmo o bloqueio de
servidores. Portanto, o alegado risco que as HTVs representam seria apenas o
pano de fundo para ações contra o Marco Civil. É uma hipótese a ser
considerada. Estar dentro da lei não significa necessariamente ter boas
intenções. Porém, essa suspeita não dá aos piratas o status de Robin Hood.
O tipo de mundo que virá por trás desses
equívocos morais é onde ser honesto vai ficar mais caro. Com a perda de receita
por conta da pirataria é presumível que as operadoras regulares vão tentar
compensar com preços mais altos na assinatura. Os distribuidores devem fazer
isso antes. Essa lógica vale para quase tudo que se consome neste mundo.
Aceitar e participar dessa realidade, portanto, aponta para tempos em que
“honesto” e “honrado” vão passar a ser ofensas.
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