O TEMPO E O ESPAÇO


Você está trabalhando agora? Fique a vontade, muita gente lê um pouco para distrair durante o trabalho. Mesmo agora, a essa hora.

Agora é a única hora certa. Aquela hora para a qual os ponteiros do relógio apontam o tempo todo. Se tem alguma dúvida, pergunte a uma criança. Quando ela quer alguma coisa não sossega nem um instante na tarefa civilizatória de esperar. Um comportamento tão natural que, de certa forma, pode ser observado desde os homens primitivos. Principalmente em lugares onde a natureza é generosa e oferece tudo que é preciso para viver. Dorme-se quando escurece, levanta quando o dia clareia, só porque é mais prático. Se quiser pode ficar acordado à noite, pode dormir de dia. Quando der fome, come-se, caça quando achar que vale a pena. Deve ter sido nos locais hostis, muito frios, com pouco alimento, onde o homem começou a esconder o agora correndo atrás do tempo. Tinha que fazer no verão o que seria impossível no inverno. Foi também o tempo do outro que acabou se misturando com o tempo da gente. Daí o jeito é esperar. Mas a hora certa sempre foi agora.

É para o agora que o mundo tende a convergir novamente. Porque é o único tempo que existe de fato, o presente. O resto do tempo é uma linha imaginária, fixa, que fica parada no céu do equador, enquanto o mundo empurra permanentemente o agora para o Oeste, sempre procurando um novo amanhã no Leste. Com o avanço da tecnologia o tempo presente está voltando, e até os nomes começam a mudar. Por exemplo, a TV linear. É a TV que tem um programa fixo a cada hora, essa mais comum, que faz a gente esperar pra ver. A não-linear ou "on-demand" é a NetFlix, por exemplo, que tem uma programação disponível e cada um assiste a qualquer hora o que quiser. É só fazer o streaming e "play". Para ela, é claro, as crianças são um caminho natural.

Um relatório do Goldman Sachs, que elevou os preços das ações da Netflix, aponta que 3, em cada 4 crianças americanas de até 8 anos de idade tem acesso a um dispositivo móvel, como tablets ou smartphones. Há dois anos, era "apenas" a metade delas. Nessa mesma faixa etária 7% das crianças já tem o próprio tablet, quase o percentual dos adultos, que é de 8%. No relatório do Goldman consta ainda que o tempo diário de utilização da TV tradiconal, do video game ou do desktop/notebook não está registrando aumento entre as crianças. Só os dispositivos móveis. Todos os dados referentes aos Estados Unidos.

As crianças não querem esperar para ver seja lá o que for. Nem mesmo o desenho da Disney que já assistiram no fim de semana, ontem, hoje cedo e agora há pouco. Para a Psicóloga Cláudia Menegatti "a ligação da criança com o momento presente é muito forte". Talvez por isso o prazer do agora tenha um significado que a memória não é capaz atingir. Se aquilo pode acontecer de novo, somente com um toque no tablet, por que não!?

Não apenas por conta das crianças, a Netflix está internacionalizando o atendimento e o potencial estimado é de 62 milhões de assinantes não americanos até 2017, ante os 13 milhões atuais. A perspectiva total de mercado fora dos Estados Unidos está avaliada em 200 milhões de assinantes. Esses dados do relatório se transformaram num conto de fadas na Bolsa de Nova York quando foram publicados, no mês passado. No dia, a alta das ações da empresa foi de 6%, acumulando 27% de ganho até aquela data do ano.

Os dados do relatório acumulam muitos outros finais felizes para quem comprar ações da empresa. E não deve ser diferente para todos os negócios que prometerem um agora com mais prazeres e desejos atendidos. Sim, porque a tecnologia chega trazendo primeiro mais trabalho, e isso limita os prazeres dos usuários. Foi o que se viu desde o just in time até o home office, passando pelos bips e os primeiros celulares. Quando alguém ganhava um celular da empresa sabia que estaria sentado numa escrivaninha virtual o tempo todo, para ser convocado a qualquer momento. Hoje, nesses tempos em que a tecnologia começa a trazer mais prazeres, pelo menos você pode pensar em assistir ao jogo do seu time pelo celular, enquanto está no ônibus indo atender o chamado da empresa.

Por aí se percebe também que a combinação física de tempo e espaço é algo que a informática promete bagunçar mais e mais. Se antes precisava agendar o horário para assistir ao filme da programação da TV - da TV linear, para ser mais exato - você precisava também chegar na hora certa ao lugar onde tinha um aparelho de TV. Agora o dispositivo móvel está na sua pasta, no seu bolso e, em breve, vai estar nos seus óculos. Tudo agora, tudo aqui.

Voltando às crianças, cabe uma advertência: para os pais que pensam nos dispositivos móveis como uma forma de aliviar a exigência da presença diante dos filhos, não se pode esquecer da nova missão: é a missão de selecionar e limitar o acesso a conteúdos indesejáveis. Porque ameaças de todo tipo também estarão rondando o agora das novas gerações.

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