A SOBERANIA DA INTELIGÊNCIA
Houve um tempo em que o computador era acusado de tomar o
emprego de multidões. Sindicatos mundo afora estavam desesperados por causa da
ameaça que aquela máquina representava. Discursos de intelectuais não passavam
sem o libelo cibernético e a ficção científica incorporou o novo monstro,
atribuindo-lhe maldades capazes de tornar o Pica-Pau um exemplo de bom menino.
Eis que a besta high tech, aos poucos, foi se acomodando na mesa de cada um
deles: dos intelectuais, dos sindicalistas, das multidões. E, por enquanto,
está com a reputação regenerada.
Para não incorrer no mesmo erro, de querer classificar
exatamente uma máquina que ainda não atingiu seus limites, pode-se dizer que
atualmente o computador é um "filtro de inteligência". Todas as
tarefas que passarem por um computador terão suas atividades repetitivas, ou
meramente comparativas, absorvidas pela máquina. Do outro lado só passa a parte
inteligente, totalmente filtrada, para retornar comandos mais eficientes. Assim,
as linhas e marcações de um projeto arquitetônico aparecem automaticamente na
tela, sem exigir a habilidade motora de quem está com a inteligência focada na
criação de um ambiente. Por que exigir o tempo de um hábil vendedor para
procurar números de telefones numa listagem? O CRM faz isso por ele.
Um caso emblemático está no mercado imobiliário americano.
Lá, adquirir um imóvel é uma decisão de muita responsabilidade. É um
investimento alto, num mercado concorrido e não se cogita a possibilidade de um
"My house, my life" ou de qualquer outro programa amplo de subsídios, capaz de amenizar prejuízos.
Por isso os americanos, historicamente, trataram de cercar suas investidas
imobiliárias de todos os cuidados possíveis. Quem quer comprar uma casa procura
um agente especializado, que vai procurar um outro agente, contratado por
pessoas que querem vender casas. É como se houvesse corretores de vendas de
imóveis e corretores de compra de imóveis. Cada um vai lutar ao máximo para fazer
prevalecer o interesse do seu cliente. Tem que ter muita competência envolvida
nessas negociações, caso contrário, proprietários e compradores resolveriam
seus negócios apenas entre si. E a informática, não poderia ajudar?
A informática ajuda, sim. Para entender melhor,
navegue alguns minutos em www.zillow.com . Você vai perceber que lá está quase
tudo que um site pode trazer para ajudar em negócios imobiliários. A
localização nos mapas é absolutamente transparente, você pode procurar por
cidade, bairro, rua ou zona postal, por faixa de preços e por muitos outros
índices. Tem várias fotos de cada imóvel, preço e até estimativa de valores
para imóveis que não estão a venda, mas podem servir como padrão de negócios
para a área. Com o aprimoramento desses serviços eletrônicos disponibilizados
gratuitamente, o Zillow acumulou um capital que lhe permitiu, em menos de 10
anos de existência, pagar R$ 3,5 bilhões por um outro portal do mesmo segmento, o Trulia, com sede em São Francisco. E sabe de onde veio todo esse dinheiro? Principalmente da publicidade de
agentes imobiliários, sim, os que deveriam temer a concorrência dos sites imobiliários. Mas são eles, os agentes, que pagam para anunciar seus serviços, com as referências
de clientes satisfeitos. O detalhe agora é que o Trulia é mais voltado para as pessoas que querem comprar uma
casa. Metade dos frequentadores mensais do Trulia não acessa as
páginas do Zillow, que é mais focado nos interesses dos vendedores. A união dos
dois portais passa então a ameaçar a tradição de negócios imobiliários nos Estados
Unidos. Mas, por enquanto, isso não parece tão próximo.
É claro que os analistas de sistemas e programadores
procuram a cada dia a fórmula para superar as operações que a inteligência dos
agentes imobiliários realiza com tanta desenvoltura. A enorme capacidade de armazenamento de
informações, a rapidez de acesso a cada uma delas, são ferramentas que,
combinadas adequadamente, podem iluminar muito o raciocínio necessário para
decidir por um negócio. A questão é que, do outro lado, os agentes estão criando cenários e soluções, o que está infinitamente distante da
capacidade de um computador.
O filtro vai continuar. Quanto mais tarefas o computador
puder absorver, mesmo que divididas em milhares de tarefas banais, mais
ameaçada fica a posição dos agentes imobiliários. O que vai ser decisivo nessa
luta da força contra a inteligência é a real disposição dos agentes em
continuar inovando na orientação de seus clientes. Enquanto a remuneração
estimular esse esforço, com certeza, os agentes vão se manter. Porém, quando
eles acharem que podem investir a energia de seus neurônios em outros negócios,
vai sobrar para os clientes a assistência comoditizada dos bits. Os riscos vão
aumentar e, se eles não insistirem na assistência de um agente especializado, a
profissão pode ser esvaziada. A inteligência, então, vai migrar para novos
desafios. E, com certeza, vai continuar contando com a contribuição dos computadores.
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