O ÚLTIMO BASTÃO


Um disparo e o atleta arranca pela pista dando tudo para percorrer aqueles 100 metros no menor espaço de tempo. Ou quase tudo. Ao final, ainda vai ter que esticar o braço até que o próximo companheiro pegue o bastão e se entregue de corpo e alma à próxima etapa. A corrida 4 X 100, um dos momentos mais empolgantes nas competições de atletismo, traz um paralelo interessante com as glórias e contradições do desafio de inovar. A glória maior é a cooperação, onde a mais estreita sintonia entre a equipe pode render os centésimos de segundo, muitas vezes decisivos para a vitória. A contradição fica bem na linha de chegada, na foto do vencedor, o único que aparece, tendo feito a mesma coisa que os outros três anônimos caídos lá pra trás.

A grande arrancada para a inovação começa pela ciência. São anos e anos de pesquisas, adaptações, erros e acertos. São ainda milhões e milhões em investimentos, cotados nas moedas mais fortes do mundo. Lá na frente o bastão é entregue à área de tecnologia, que vai estudar e testar, por mais um longo período, o que se pode fazer de prático a partir daquela descoberta da ciência. Até que, finalmente, chegue às mentes inovadoras, ávidas em atingir as marcas de sucesso, sob os holofotes e os aplausos das multidões.

O discreto Scott Hassan, um cientista empreendedor que não gosta de sair na foto, possivelmente largaria nessas primeiras etapas, se fosse um atleta. Nas próximas décadas, tudo indica que ele vai estar nos livros da robótica e de outras áreas da automação. Mas hoje tudo que ele quer é torrar seu dinheiro em busca de novas descobertas. Ora, é esse o prazer dele e de tantos outros grandes e invisíveis cientistas empreendedores, que estão agora nos laboratórios, investigando as leis da natureza. Cumprem um papel fundamental na lógica cooperativa da construção do novo. Hassan escreveu uma parte importante dos códigos do Google, quando conheceu os criadores do site, começando um mestrado em Stanford. Participou do desenvolvimento dos motores de busca do Yahoo e de outras empreitadas tecnológicas de peso. Com o dinheiro que ganhou resolveu montar, em 2006, um laboratório de robótica, o Willow Garage. O local se tornou "um importante catalisador para o campo da robótica", nas palavras de Ken Goldberg, Diretor do Laboratório de Automação em Ciência e Engenharia, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Uma paixão que custou US$ 20 milhões por ano, até o último mês de janeiro, quando Hassan decidiu mudar de "pista", para dar a largada em outro empreendimento.

Ao longo desse período, o Willow Garage era a principal referência da robótica no Vale do Silício. Foi o berço de startups de sucesso e desenvolveu o sistema operacional mais utilizado nas pesquisas de robótica pelo mundo. "Entregou o bastão" para muitos que avançaram para a ponta do mercado. Mas a fixação de Hassan sempre foi pelo estampido da largada, perseguindo os cérebros de maior capacidade de "arranque" na sua área de atuação, fazendo com que também disparem em direção aos novos desafios. E assim ele aglutina uma galera de geeks para cada novo empreendimento, oferecendo a estrutura dos sonhos para conectarem seus neurônios, e altos salários no fim de cada mês.

Por isso, quando a sua inovação brilhar e lhe render muito dinheiro, ninguém poderá dizer que você foi apenas o beneficiário do esforço de muitos que vieram antes. Alguém precisa chegar, ir até o fim. Lá no começo, os cientistas também dependem do sucesso de produtos inovadores, que retroalimentam o ciclo virtuoso de construção de uma nova sociedade. Além disso, a inovação lida com os riscos mais imponderáveis. Se você não chegar na frente, a sua decepção também vai sair na primeira página e não adianta olhar para trás, procurando um culpado. É assim que a banda toca...

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